22.12.08

Sobre a trilha sonora do blog

Acompanhando as informações textuais, o blog agora recebe também um playlist! O conteúdo desta ferramenta é composto por fonogramas gravados durante a pesquisa. São poucos os arquivos que não estão relacionados com a captação de campo. Duas músicas foram incluídas por se tratar de material imprescindível para o entendimento de nosso capítulo III (do livro "Narrativas Musicais" Anna Blume), trata-se de "Bananeira" no registro de Aquilo Del Nisso e "Bom Dia" de Mandu Sarará. A respeito destes dois fonogramas chamo atenção ao leitor para a audição das versões ao vivo e em estúdio.

Talvez os materiais mais relevantes deste playlist são as gravações recuperadas do Maestro Antonio Arruda "Cangaceiro". Todas as faixas foram recuperadas do acervo pessoal de Dário Arruda, filho do maestro. Pode-se notar nessas gravações inúmeros problemas técnicos e de qualidade do áudio, no entanto essas gravações recuperadas de fitas magnéticas eram realizadas apenas para registro do próprio grupo sem intenções comerciais daí o pouco cuidado com a gravação e a dificuldade no restauro.

São excepcionais os arranjos dessas faixas e o primor nas improvisações. São 14 faixas incluindo formações bem diferenciadas. O Latin Meddley com a Orquestra Reiveillon, solando com seu compadre Dorimar Vasconcelos em um registro raríssimo, junto com o Maestro José Roberto Branco num festival de Jazz no MASP em São Paulo, junto com o genial trompetista Papudinho em "Love for Sale", fonograma extraído do disco "Papudinho Especial", com Tony Marquis e com muitos outros grandes músicos.

Atenção especial também vale a audição de "Green Union" que além do sinuoso e insinuante arranjo, os solos de sax tenor de Cangaceiro e sax alto de Beta são grandes exemplos de improvisos altamente melodiosos. Vale notar também o maravilhoso arranjo de "Quem quiser encontrar o amor" e "Samba dos Bossa Nova", faixas extraídas do único LP autoral gravado pelo Maestro Cangaceiro "Show Dançante - Arruda e sua orquestra Bossa Nova". 


Antonio Arruda (tenor), Dorimar Vasconcelos (trompete), Mozart (piano), Zeca Boca de Burro (contra-baixo), Inaldo (bateria).


Agora com esta versão sonora do blog os leitores poderão acompanhar nossas postagens ouvindo ótimos exemplos. Vale lembrar também que o primor técnico não foi definitivamente o objetivo principal destas gravações de campo. A maioria das gravações foram realizadas nos respectivos ambientes em que foram apresentadas, ou seja, foram realizadas a partir do ponto de escuta do expectador (e não a partir da mesa de som, em linha). Tal especificidade faz com que se possa perceber não só as muitas nuances relacionadas com a acústica do ambiente, teatros, praças e bares, mas também as reações sonoras do público. 

Todas as gravações foram realizadas com o único intuito de levantamento de dados que fomentassem a idéia de realizar uma espécie de mapeamento das sonoridades apresentadas pelos músicos em São Paulo. Portanto nenhuma dessas gravações tiveram alguma pretensão comercial ou de qualquer espécie semelhante.

Os registros foram realizados com equipamento digital minidisc sempre com os mesmos parâmetros. Essa forma de gravação possibilita a comparação dos registros e a percepção das diferenças relativas à acústica do ambiente, formação, timbres e arranjos. Os fonogramas que se encontram nesse playlist representam uma pequena parcela do material registrado durante a pesquisa. Apesar de uma amostra relativamente pequena, a proposta é mostrar uma vitrine da música popular instrumental realizada em São Paulo. 

Enfim, as gravações presentes no playlist serão paulatinamente comentadas nas postagens e sempre que possível detalhes e curiosidades das apresentações e das próprias gravações serão também compartilhados com tod@s. 

Espero que nossa trilha sonora possa contentá-los.

26.11.08

Música Popular Instrumental em São Paulo [2]

A partir da metodologia apresentada na postagem anterior, o trabalho de campo com mais detalhes – incluindo a visita ao local, registro da apresentação, catalogação e caderno de campo – foi realizado em 35 apresentações. Desse total, aproximadamente 60% (20) foram apresentações indicadas por músicos, conhecidos, entrevistados ou por mailing. A Internet é hoje uma importante vitrine para os grupos e artistas divulgarem seus trabalhos e apresentações, sendo inclusive um meio através do qual os músicos fazem divulgação, contatos com produtores e agentes, cotações de preços de equipamentos, conhecem locais onde podem pleitear vagas, etc. 

Podemos perceber pela Figura [2] que o trabalho de campo mantém o padrão do mapa anterior [1]. Devido à necessidade de critérios para a escolha dos locais, a pesquisa de campo se concentrou nos bairros com maior quantidade de equipamentos, nos eventos e ciclos de apresentações, e nas indicações dos próprios músicos. Pela distribuição espacial do trabalho de campo foi possível acompanhar, além dos deslocamentos espaciais de certos músicos e ouvintes, a maneira que os locais de apresentações musicais estão dispostos na cidade. 

Dos 20 locais com maior taxa de ocorrência, metade são particulares enquanto a outra metade se divide em 6 SESCs (V. Mariana, Pompéia, Paulista, Consolação, Belenzinho e Pinheiros), Centro Cultural Banco do Brasil, Instituto Cultural Itaú, Centro Cultural São Paulo e Sala São Paulo. Ocupando as colocações 18º e 19º respectivamente, estes dois últimos são os únicos estabelecimentos realmente públicos. 


Figura 2 – Distribuição espacial dos equipamentos onde foi realizado trabalho de campo no período de janeiro de 2003 a janeiro de 2004. O trabalho de campo mantém o padrão do mapa anterior, porém inclui locais de apresentações com pouca ou nenhuma divulgação. 


O trabalho de campo foi essencial para entender de que maneira a música instrumental é realizada de fato e como se constitui a “experiência musical” nos locais onde ela ocorre. Também importante para o entendimento do fenômeno são as conversas informais e entrevistas realizadas com músicos em atividade, assim como ex-músicos e aposentados. O meio urbano metropolitano surge como o “palco” no qual se dá a produção e apreciação da MPIB ao mesmo tempo em que é o espaço de disputas e conflitos. 

A cidade é o palco também da construção de musicalidades específicas dentro do gênero na medida em que foram constatadas diversas “linhas”, ou sub-categorias, indicadas pelos próprios músicos e ouvintes. Na busca por postos de trabalho os músicos são impelidos, por um lado a uma certa “especialização” em sua linha e por outro, uma versatilidade para aprender outros gêneros e estilos musicais. O ecletismo musical e a diversificação de atividades ao qual o instrumentista é impelido são estratégias de “sobrevivência” para se manter no mercado de trabalho, ao mesmo tempo em que são também “ferramentas” utilizadas na ampliação do discurso musical dos próprios músicos e do gênero como um todo. 

O georeferenciamento do trabalho de campo, aliado à visão mais ampla do fenômeno, traz uma perspectiva interessante para obter um conhecimento espacial mais preciso da amostra frente ao fenômeno estudado. Mesmo que a Figura 1 não apresenta absolutamente todos os lugares onde ocorrem músicas instrumentais, ela mostra a localização das ofertas de postos de trabalho de uma maneira mais aproximada. 

Outro aspecto que nos chama atenção é a relação entre oferta e demanda de postos de trabalho para os instrumentistas. Foram catalogados ao todo 87 equipamentos urbanos, que foram locais de alguma apresentação do total de 319 conjuntos/artistas de música instrumental no período citado. Na categoria de equipamentos urbanos foram classificados teatros, casas de show, bares, clubes, praças, parques ou até mesmo a própria rua. Isso significa que, para cada estabelecimento, concorrem para se apresentar 3,66 conjuntos/artistas. Vendo dessa forma parece baixa a concorrência. Mas não é o que acontece. Na seleção para as programações musicais a disputa é bastante acirrada devido ao crivo realizado pela direção musical dos estabelecimentos.

Música Popular Instrumental em São Paulo [1]

"(...) Formalmente, as narrativas existem no tempo, e as imagens, no espaço. 

(...) Quando lemos imagens -- de qualquer tipo, sejam pintadas, esculpidas, fotografadas, edificadas ou encenadas --, atribuímos a elas o caráter temporal da narrativa. 

(...) Nenhuma narrativa suscitada por uma imagem é definitiva ou exclusiva, e as medidas para aferir a sua justeza variam segundo as mesmas circunstâncias que dão origem à própria narrativa"
(Mangel, Alberto. Reading Pictures: a history of love and hate).

Como todas as práticas culturais, além da dimensão ligada ao contexto, a música possui a dimensão relacionada com o espaço. Quando se pensa a relação entre as práticas musicais e a paisagem urbana é preciso tomar os agentes como os responsáveis pela dinâmica da cidade, é preciso partir dos “atores sociais” como os agentes dos arranjos e padrões (cf. Magnani, 2002). Nesse sentido, observar a música na paisagem urbana significa descobrir onde se encontram e quais são os equipamentos urbanos utilizados, quais são os bairros de maior ocorrência, quais gêneros são tocados e em que tipo de equipamentos, quais as regularidades e recorrências entre os mesmos e diferentes tipos de equipamentos. 

Ao nos determos nas lógicas seguidas pelos agentes (principalmente donos de estabelecimentos, produtores musicais, músicos e freqüentadores), percebem-se certas regularidades na maneira como utilizam a cidade. Outro tipo de regularidade refere-se à distribuição temporal dos estilos e gêneros musicais nos estabelecimentos. Essas programações acabam criando a possibilidade de construção dos deslocamentos tanto de músicos quanto de público, através de uma seqüência temporal e espacial de opções na qual se observam regras de compatibilidade.

A utilização de Sistemas de Informações Geográficas (SIG) suscita novas formas de olhar para o objeto de estudo a partir da dimensão espacial, inserindo diferentes variáveis e, conseqüentemente, extraindo informações até então implícitas no conjunto dos dados. O armazenamento de dados em estrutura de Banco de Dados Geográfico permite a realização de consultas por atributos, consultas espaciais, agrupamento de dados, bem como análises espaciais.

O armazenamento em banco de dados e a análise espacial dos dados obtidos durante o trabalho de campo realizado em 2003 consideraram 777 registros de apresentações de música instrumental em São Paulo. As casas de shows consideradas foram plotadas no mapa utilizando a ferramenta de Geocodificação de Endereços, disponível no Terra View , tendo como dado-fonte a malha de ruas da cidade de São Paulo . A associação dos eventos musicais aos pontos geocodificados e a análise espacial dos dados no software “TerraView” forneceu às análises, interessantes nuances do comportamento espacial da MPIB na cidade de São Paulo. 

O trabalho utilizou análise espacial de padrões pontuais (Bailey, 1995; Anselin, 1995; Câmara 2000), onde os pontos geocodificados correspondem a estabelecimentos onde ocorreu pelo menos uma apresentação musical. Este tipo de análise permite extrair matematicamente padrões espaciais nos pontos distribuídos sobre o mapa. Tais padrões podem (ou não) indicar a influência do espaço no fenômeno estudado. Esta influência pode ser expressa através da formação de clusters, ou seja, regiões onde há maior concentração de equipamentos urbanos e eventos. Padrões de distribuição aleatórios ou regulares também podem ser encontrados.



Figura 1 – Distribuição espacial dos equipamentos urbanos onde se executa música instrumental na cidade de São Paulo. Os dados foram coletados no período de janeiro de 2003 a janeiro de 2004. Foram catalogados ao todo 87 equipamentos urbanos que foram locais de alguma apresentação do total de 319 conjuntos/artistas de música instrumental no período citado.


Quando observamos os locais de ocorrência da música instrumental constatamos padrões de distribuição peculiares. Em algumas regiões constatam-se clusters de equipamentos, como é o caso da Vila Madalena, em outras regiões observamos equipamentos relativamente “isolados”, como o caso do “All of Jazz” (Itaim) ou do “Novotel Center Norte” (Carandiru). Em outras regiões não há uma contigüidade espacial, ou seja, os equipamentos urbanos que oferecem música instrumental encontram-se aleatoriamente espalhados pela cidade e o padrão de distribuição espacial está relacionado mais com a utilização e menos com sua localização espacial. 

Tal abordagem proporciona uma visão mais ampla que possibilita buscar ordenamentos no uso da cidade e dos equipamentos. Como mostra a Figura IV.1, os estabelecimentos se encontram em locais diferentes, no entanto o que os caracteriza é o exercício de determinada atividade: a MPIB. Os dados referentes à Figura IV.1 foram coletados na imprensa, no entanto, tal atividade é oferecida e divulgada à população de uma maneira bastante informal, ou seja, as apresentações de música instrumental são realizadas em grande parte sem uma divulgação mais ampla na imprensa.

A divulgação relativamente deficiente das apresentações acarreta certos problemas para uma pesquisa que pretende “mapear” a MPIB em São Paulo. É por isso que esse mapa apresenta distorções com relação à realidade. Isso se deve à fonte de obtenção de dados e às limitações da pesquisa. Primeiro, porque os dados foram coletados a partir de informes, sites, revistas e jornais que por um lado são fontes legítimas, pois é através delas que o público acessa a informação, mas por outro estão sempre sujeitas a equívocos, mudanças e até mesmo erros. Além dos erros, muitos grupos não fazem divulgação num jornal, e muitas vezes não fazem nem folhetos ou cartazes. E segundo, porque a pesquisa foi realizada sem uma equipe de apoio que pudesse checar as informações. Devido a isso, foram escolhidos para o trabalho de campo, determinados estabelecimentos a partir de critérios apontados pelos próprios músicos ou que estivessem inseridos em ciclos de apresentações que tematizavam a música instrumental.

O M B pela contramão...

Muito boa a matéria escrita por Pedro Alexandre Sanches e publicada na Revista Carta Capital, 521, de 12 de novembro de 2008. Esse é um assunto que merece ser divulgado. Ainda essa semana fui numa apresentação de músicos amigos meus e comentei sobre essa situação na Ordem dos Músicos do Brasil e, para a minha surpresa, absolutamente ninguem tinha conhecimento do que estava acontecendo. Acho que já é hora de mudar essa situação porque para quem tem más intenções, músico bom é músico despolitizado!

A matéria intitula-se "Tem gato e rato na tuba" e trata do afastamento do então presidente da OMB, Wilson Sandoli, e da auditoria interna que está sendo realizada na Ordem. Para se ter idéia do tamanho do estrago, documentos indicam "a compra de carros blindados e armas, empréstimos pessoais e até despesas de velório. Tudo com recursos da OMB, ou seja, dos contribuintes músicos". 

Por outras palavras, quem deveria regulamentar a profissão é justamente quem tem, há anos, desviado recursos e realizado transações ilegais. Tudo em nome da classe? Quem já precisou tirar a carteira da OMB sabe muito bem do que estou falando. E quem teve seus equipamentos apreendidos, ou sua apresentação interrompida pelo Ecad, também.

Mas as acusações são lastimáveis. Durante dois anos Sandoli acumulou os cargos de presidente do Conselho Federal, da sucursal paulista da OMB e do Sindicato dos Músicos Profissionais "Em 2006, foi obrigado a renunciar à duplicidade de cargos na OMB e abdicou da presidência nacional em favor do vice à época, o ex-militar João Batista Vianna, da seção carioca da instituição. Foi Vianna que conduziu agora o afastamento de Sandoli da regional paulista por 90 dias, enquanto a auditoria esquadrinha o sexto andar do edifício da avenida Ipiranga onde está instalada a OMB, no centro da cidade". 

O clima é muito tenso. As fechaduras tiveram que ser trocadas para bloquear o acesso de Sandoli que não estaria cumprindo o acordo extrajudicial que o levou ao afastamento. Segundo Pedro A. Sanches, um dos advogados da OMB explica que numa auditoria realizada há alguns anos na seção paranaense culminou com o incêndio da documentação, daí a vigília redobrada.

Segundo Sandoli estão fazendo muito barulho por nada: "Disseram que eu mandei matar, o que é isso? Eu vou fazer uma coisa dessas? Tenho um nome a zelar", protesta Sandoli, de 80 anos. "Estão fazendo terrorismo", diz o advogado que o acompanha, Nelson Altieri. "Precisa colocar cinco seguranças? Aqui ninguém é bandido", prossegue o ex-presidente. "Isso tudo é uma armação do Vianna, o presidente que eu mesmo coloquei lá no Conselho Federal, com o Roberto Bueno, que quer tomar o meu lugar aqui."

Em São Paulo, o ex-vice presidente Roberto Bueno demonstra nervosismo, parece prensado entre os ambos os lados. "Vivo de música, não me chamo Wilson Sandoli", diz o maestro e dono de uma escola de música no Tatuapé. "Por que ele não fala comigo, se só me abraçava e beijava?", pergunta Sandoli, abraçando os próprios braços outra vez. "Então ele é um laranja?", dispara. Vice até outro dia, Bueno é outro que se diz "surpreso" com o teor dos documentos. E enumera acusações, algumas delas amplamente conhecidas nos bastidores da música brasileira.

As acusações são fortes e passam por desvios de dinheiro, armas e outras coisas mais. Bueno mostra, por exemplo, comprovantes de que em 11 de janeiro de 2005 a OMB de São Paulo pagou 195 mil reais à Minasmáquinas Automóveis, por uma Grand Caravan da Chrysler. Numa outra nota fiscal, de 26 de fevereiro, a Ordem gasta mais 80 mil reais, para blindar o automóvel.

Será que é preciso gastar 275 mil reais para compra de um automóvel? Quantos músicos não estão por aí, muitas vezes pegando condução com os instrumentos, para ganhar, com sorte, 30 ou 50 reais? Será que estes se vêm representados, vêm seus interesses profissionais defendidos por algum sindicato? 

Como se carros blindados não bastassem, Pedro A. Sanches nos mostra que a "seção paulista se revela cliente assídua da Massaropi Artigos de Caça e Pesca. Em 12 de abril de 1999, Sandoli comprou em nome dele próprio uma pistola Glock calibre 380, no valor de 2.150 reais. No mesmo dia, foram emitidas notas fiscais em nome de três outras pessoas físicas, pela aquisição de três pistolas Taurus calibre 380, por 1.300 reais cada. A compra total, de 6.050 reais, foi efetivada com um cheque da OMB paulista. Segundo Bueno, ninguém sabe do paradeiro de tais armas". E quem são essas três pessoas físicas? São funcionários? Afinal fazem segurança do quê? O que faz exatamente com essas armas? Segurança? De quem? Para quem? 

E como se não bastasse Sanches nos mostra que outros documentos evidenciam que Sandoli adotou o hábito de fazer empréstimos a ele mesmo. "Em 6 de outubro de 1999, por exemplo, o Conselho Federal emprestou 700 mil reais à regional paulista. "Não sei disso, para mim é novidade", diz o diretor afastado. No dia seguinte, o advogado liga para dizer que foi um "adiantamento pessoal". Em 23 de julho de 2003, a OMB emitiu um cheque nominal a Sandoli, no valor de 200 mil reais. Segundo o advogado, foi uma operação interna já contabilizada".

Segundo os ex-aliados Roberto Bueno e João Batista Vianna "a duplicidade de cargos nas duas casas foi a porta aberta para um sem-número de irregularidades praticadas de lá e de cá. Afirmam que a dívida da OMB paulista junto ao Conselho Federal é de 1,4 milhão de reais. Sandoli diz que já devolveu 300 mil reais".

E como se não bastasse todas essas irregularidades, também na venda da sede da OMB no Largo do Paissandu também foi envolta em mistérios e irregularidades. Um documento de 18 de maio de 2006 mostra que o negócio foi fechado por 300 mil reais. No entanto a Ordem fez publicar edital de convocação de assembléia geral do conselho, para autorizar a venda do imóvel. Mas isso aconteceu em 22 de junho, mais de um mês após a transação. 

E como se ainda não bastasse até funeral foi pago com o dinheiro dos músicos. "Segundo Bueno, em abril de 2005 a OMB paulista arcou com as despesas de funeral e enterro de Izabel, esposa de Sandoli, inclusive 69.714 reais gastos em anúncios fúnebres em jornais da capital". 

Podemos entender então que a situação da música e do músico no Brasil carrega essa mácula produzida por quase meio século de improbidade administrativa, descaso, corrupção. Mas e se depois da auditoria nada ficar provado? Sandoli arremata "Preciso voltar, para mostrar que o trabalho aqui foi...", interrompe-se. "Fui eleito. Se fui eleito...", decreta, por cima das acusações correntes sobre fraudes em sucessivos processos re-eleitorais. E eu pergunto, você músico em dia com a OMB votou em quem?

25.11.08

Metasonoridade

A Música Popular Instrumental Brasileira apresenta uma versão de Brasil que abarca diversos ritmos e estilos. O que é estrangeiro também é “legitimamente” brasileiro, na mais autêntica tradição antropofágica. A MPIB expõe diferentes formas de articular questões técnicas provenientes do jazz e de outros gêneros, com os ritmos e melodias brasileiras, ibéricas, africanas e indígenas. Esta, pode-se dizer, é uma das especificidades da MPIB.

O gênero pode ser pensado como uma corda trançada formada por diversas linhas. Os elementos que caracterizam tais linhas são aspectos musicais que agenciam o “diálogo” entre sonoridades diferentes. Pode-se pensar numa “universalização das linguagens” e numa ruptura com rótulos mercadológicos. Dessa maneira a MPIB representa sonoridades diferentes e incorpora elementos relegados pela própria Música Popular Brasileira.

Nesta perspectiva, o tocar fornece um comentário sobre o cotidiano. Uma apresentação musical é um acontecimento humano no qual se cruzam os limites entre o estabelecido e o não-estabelecido. O repertório da MPIB pode ser entendido como “narrativas musicais” que revelam dramas estéticos no interior dos quais se configuram as relações entre experiência e expressão. Narrativas que revelam através da linguagem musical um comentário reflexivo sobre a paisagem sonora brasileira, uma meta-sonoridade.

Prefácio



O livro que Giovanni Cirino nos apresenta trata de um tema bem inédito, a música popular instrumental brasileira na cidade de S. Paulo. O interesse, porém, não é apenas musical e o enfoque é também sociológico-antropológico, o que amplia o seu ineditismo e importância. O trabalho investigativo se constituiu, certamente, em um desafio para o pesquisador, diante da grande variedade de experiências e tendências musicais e do gigantismo da capital paulista. Afinal S. Paulo apresenta música “dos quatro cantos do mundo” pode-se dizer, seja coreana, japonesa, italiana, indiana, árabe, judaica, cubana, boliviana, angolana, chilena e muito mais o que se possa imaginar. Como dar conta de tanta variedade, nas dimensões e complexidade urbana da capital paulista?

Feito o recorte temático e temporal, voltando-se para a música popular instrumental considerada brasileira, o autor fez pesquisa de campo, com presença nos locais de apresentações, pelos inúmeros bairros/regiões, realizou entrevistas com músicos, enquetes com espectadores, recolheu notícias de jornais e revistas, reuniu CDs e informações de gravadoras e instituições artístico-culturais, acompanhou programação de televisões e rádios, realizou gravações próprias, analisou arranjos, acompanhou seminários especializados, consultou sítios via internet (webgrafia) e reuniu ampla e variada bibliografia, para ter domínio sobre o objeto da pesquisa e das teorias aplicáveis ao tema. O trabalho tem base em uma ampla etnografia da música na capital paulista, uma etnomusicografia que é identificada como “etnografia das performances musicais”, ocupando-se não só dos “sons registrados”, mas, ainda, das suas performances, para avaliar os “materiais” e “as condições de trabalho dos músicos”, conforme explica o autor. 

Revelaram-se, então, facetas pouco conhecidas da metrópole, que é sempre mais lembrada pelos seus congestionamentos diários de trânsito, e pelos negócios, trabalho, gastronomia, indústria, rede bancária, enchentes e outros problemas de ordem social. O trabalho de campo com registro detalhado de 35 apresentações se fez durante um ano, entre janeiro de 2003 a janeiro de 2004, mas no total foram levados em consideração 87 espaços de apresentações, 319 conjuntos/artistas musicais e 777 registros de apresentações, o que é algo notável. 

Para processar tantos dados, espalhados pelo espaço urbano, utilizou-se de um “banco de Dados Geográfico” (“geoprocessamento”), que permitiu realizar consultas de várias ordens, por atributos, por espacialidade e outras, na busca das suas interpretações e conclusões. Mas, além dos aspectos etnográficos, atuais, a pesquisa envolveu grande acúmulo de conhecimentos no que se refere à música popular no Brasil em geral, inclusive do ponto de vista histórico, recuperando referências importantes sobre o assunto desde o século XIX, sobre o choro, as bandas de “coreto” e outras formas de música instrumental. Trata-se, sim, de trabalho de grande erudição.

Tudo se fez possível pois Giovanni é um exemplo pouco comum de alguém que se mostra competente em duas áreas bem distintas, como cientista social e como músico. De modo mais específico, trata-se de um antropólogo e etnomusicólogo que também é guitarrista-violonista, e com vivência no objeto da própria investigação, a música popular. Do ponto de vista da música, trata-se de alguém “de dentro”, como se diz. De fato, temos poucos exemplos de investigadores que podem, de forma competente, utilizar instrumental analítico-reflexivo dessas especialidades centrado em um mesmo objeto de pesquisa. 

Assim, Cirino consegue realizar análise de um arranjo musical, e, ao mesmo tempo, transpor o conceito de harmonia e dissonância, tão usuais nas análises musicais, para as relações sociais no Brasil, da mesma forma como consegue “ver”, baseado em Vitor Turner, na música popular instrumental brasileira a sua colocação em um espaço “às margens dos processos ritualizantes de construção da identidade nacional”, o que é algo típico de preocupação do campo da antropologia. Giovanni percebe, ainda, na música instrumental as “fissuras”, as “tensões” e as “contradições” na sociedade brasileira, como se poderá compreender no decorrer dos capítulos do livro. 

De fato, essa aproximação entre música e antropologia, sem dúvida, traz enormes benefícios para as pesquisas, pois na maioria das vezes as investigações que envolvem enfoques distintos, sobretudo quando miram as artes, deixam débitos de análises em um ou outro deles. Não é o caso do presente trabalho, que traz real contribuição para os estudos da música, pelo seu enfoque, e, também, para a antropologia, pela temática pouco abordada nessa especialidade, diante do conhecido temor dos que “não conhecem música”, embora a música e suas atividades possam trazer muitas, muitas, revelações sobre os grupos humanos. 

Ressalte-se, ainda, no trabalho, o cuidado na questão metodológica e o domínio dos aspectos teóricos, incluindo profusão de autores, sobretudo da antropologia, da sociologia, dos estudos culturais, da etnomusicologia, e das teorias da música. Cirino dialoga com autores bem reconhecidos, como H. K. Bhabha, N. Garcia-Canclini, G. Geertz, V. Turner, J. Derrida, M. Sahlins, M. Mauss, T. Adorno, W. Benjamin, R. DaMatta, J. Blacking e tantos mais, incluindo alguns mais voltados para a música, como E. W. Said, D. Sebesky, J. Aebersold e outros. 

O autor expõe que a investigação está pautada em reflexões “a partir das considerações da antropologia da performance, hermenêutica e etnomusicologia em contexto urbano”. Nesse aspecto, como bom antropólogo, Giovanni levou em consideração a “visão de mundo” nativa, ou seja, a dos próprios músicos, entre os quais, para citar apenas alguns mais conhecidos: Airto Moreira, Antônio Arruda, Carlos Poyares, Magno Pereira, Hamilton de Holanda, Hermeto Pascoal, Nelson Ayres e outros tantos. 

O livro se tornará referencial, certamente, pelo tema pouco estudado, e mais, ainda, pelos aspectos metodológicos nele aplicados. Embora alguns aspectos das conclusões ainda possam merecer outras interpretações e até mesmo discordâncias interpretativas, o que é, inclusive, saudável, na medida em que a aproximação entre música e antropologia ainda é pouco aplicada entre nós, sendo o objeto dessa investigação também pouco estudado, trata-se de uma contribuição importantíssima e corajosa para as investigações do campo da música. 

A leitura flui muito bem, intercalando momentos mais densos, e até difíceis, nas partes voltadas para questões teóricas e suas reflexões, e outras partes de grande “leveza”, como crônicas reveladas pelos entrevistados músicos, que trazem suas experiências e memórias do fazer musical. 

Temos, sim, muito a aprender sobre a música e a sociedade brasileira neste livro. 

Alberto T. Ikeda
Professor de Etnomusicologia e Cultura Popular
Instituto de Artes – Universidade Estadual Paulista (UNESP)
S. Paulo

Projeto Narrativas Musicais

O projeto aborda a música instrumental e sua atividade na cidade de São Paulo. O trabalho explora uma das muitas paisagens sonoras da sociedade – paulistana e brasileira – através da “audição” da música instrumental. 

A Música Popular Instrumental é abordada tanto a partir de sua produção fonográfica e ao vivo, quanto dos aspectos musicais inerentes às obras. O trabalho identifica elementos que constituem as experiências que surgem no fazer musical e investiga como as questões relativas à construção da identidade nacional se articulam na Música Popular Instrumental. 

Para dar conta da proposta a obra está dividida em duas partes: a primeira contendo os dados da pesquisa de campo, entrevistas e materiais da mídia, e a segunda parte contendo as discussões sobre a etnografia do fazer musical, a experiência musical e seus significados no mundo contemporâneo.


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The Musical Narratives Project
This work approaches the Brazilian instrumental popular music (BIPM) and its activity in Sao Paulo city. The research intents to identify the BIPM content as a society mediation, as well as clarify semantic and content questions with respect to the term. In other words, the work tries to bring the reader to one among the several society soundscape – from Sao Paulo and Brazil – through the listening of the instrumental music. 

We approach the instrumental music from two points of view: firstly its production, presenting some of the production circumstances (phonographic and alive), and on the other hand, by the observation of the work’s internal logic from music aspects such as scales, motifs, rhythms and chords patterns, improvisations, forms, etc. This double approach can be justified because the BIPM disarranges semantic contexts by putting the musical elements in amazing relationships. This effort is the central point of this work. 

The goal of this ethnography is to investigate, by one hand, how the questions relative to the construction of the national identity articulate themselves on the BIPM through different elements arranged to give expression to the tensions and contradictions of the Brazilian society. On the other hand, to identify some elements on the constitution of the experiences which appear on the music-making. 

To take account of this problematic we divide this dissertation in two parts: the first one containing empirical data from field research, interviews and collected material from the media, and the second one containing the theoretical and methodological discussions about the ethnography of the music-making, and the problematic of the musical experience and its meanings on the contemporary world.