Entrevistado em 08/08/2003, o Maestro Nelson Ayres solta o verbo e fala da música ao vivo na noite paulistana e do primeiro disco independente do Brasil: um disco instrumental com título sugestivo: “Feito em Casa” de Antonio Adolfo.
Eu: Qual diferença que você vê entre a “noite” nessa época do final dos anos 60 e a “noite” hoje em dia?
NA: Naquela época tinha mais música ao vivo, mesmo porque os recursos eletrônicos que hoje se usam em danceterias eram muito menores, não tinha a qualidade que tem hoje, não tinha uma produção voltada para isso, tinha mais trabalho de noite aparentemente, e a diferença dos músicos é que nessa época todo mundo era autodidata, a música popular ainda era música autodidata, não tinha escolas de música popular, só tinham os conservatórios. Cada um aprendia por si de ouvido, ou vendo os outros tocarem e ao mesmo tempo talvez por São Paulo ser uma cidade bastante menor e o mundo musical ser bem menor, então todo mundo se conhecia, então tinha um pouco mais interação e informação correndo. Hoje tem muita gente no mercado e músicos fenomenais, você vai assistir uma banda e pensa “pô, mas eu nunca ouvi falar” e o cara é um grande músico, quer dizer como é possível, eu vivo disso e nunca ouvi falar, isso não acontecia na época.
Eu: Mas você acha que esse “inchaço” do campo profissional tem alguma influência na qualidade?
NA: Eu acho que, isso aqui é um parênteses, eu acho que em quase toda profissão tem 5% de caras excelentes e o resto é o resto, então na música é a mesma coisa, eu acho que a proporção se mantém, só que hoje tem mais gente melhor porque tem mais gente fazendo, mas obviamente tem uma quantidade muito maior de músico ruim, o que acho que é a mesma coisa nos Estados Unidos. Uma coisa que eu esqueci e que é importante para você sobre a diferença dos músicos daquela época e dessa época é que agora ser músico é uma opção decente inclusive para a classe média alta, coisa que na época não era, então qualquer pessoa de classe média, como é o meu caso, que queria ser músico tinha sempre um problema com a família devido a uma certa resistência, e você encontrava a imensa maioria dos músicos brasileiros vindos ou da classe baixa mesmo ou da classe média baixa, gente que de outra forma teria sido um operário de fábrica, um tipógrafo, alguma coisa assim, e hoje em dia você vê muito músico formado em medicina, formado em psicologia, ou engenharia, ou que poderia ter cursado uma escola superior ou que cursou uma escola superior de música, coisa que na época não existia. Isso faz bastante diferença, na sua tese esse é um dado bastante importante.
Eu: O que você acha do crescimento nos últimos 10 anos da produção independente? Já que grande parte da música instrumental é independente.
NA: Claro. Que eu saiba o primeiro disco independente foi um disco instrumental do Antonio Adolfo que é um pianista do Rio de Janeiro, ele gravou um disco chamado “Feito em casa”.
Eu: Era já com o “3D”?
NA: Sabe que eu não me lembro se era com o “3D”, ou se foi depois, foi no início da década de 80, então a gente tem já 20 anos de produção independente, o que se tornou uma tendência mundial, não só brasileira, em função da facilidade e do custo de fazer um disco independente, porque em 80 você ainda dependia de um estúdio com equipamento, com uma mesa muito cara, usava aquelas fitas de 2 polegadas, cada uma
custava, sei lá, 400 dólares, para gravar 15 minutos, tudo importado, quer dizer você precisava alugar um estúdio, a prensagem do vinil era relativamente cara comparada com a prensagem do CD, você tinha que fazer fotolitos, quer dizer tudo o que era produção era mais caro, mesmo que você conseguisse os músicos de graça, era quase impossível para uma pessoa sozinha, hoje com as facilidades tecnológicas, gravação em computador, hard-disc, tudo é mais barato então a produção independente é um fato que agora não tem mais volta, vai ser isso, e as gravadoras completamente perdidas sem saber o que fazer.
Eu: E varias dessas produtoras independentes que nascem a partir da reunião de músicos que se juntam e resolvem fazer.
NA: Sim claro, o pessoal fala então vamos cuidar a gente mesmo das nossas coisas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário