22.3.09

Nelson Ayres e a produção musical: Antonio Adolfo, o primeiro independente

Entrevistado em 08/08/2003, o Maestro Nelson Ayres solta o verbo e fala da música ao vivo na noite paulistana e do primeiro disco independente do Brasil: um disco instrumental com título sugestivo: “Feito em Casa” de Antonio Adolfo.

Eu: Qual diferença que você vê entre a “noite” nessa época do final dos anos 60 e a “noite” hoje em dia?

NA: Naquela época tinha mais música ao vivo, mesmo porque os recursos eletrônicos que hoje se usam em danceterias eram muito menores, não tinha a qualidade que tem hoje, não tinha uma produção voltada para isso, tinha mais trabalho de noite aparentemente, e a diferença dos músicos é que nessa época todo mundo era autodidata, a música popular ainda era música autodidata, não tinha escolas de música popular, só tinham os conservatórios. Cada um aprendia por si de ouvido, ou vendo os outros tocarem e ao mesmo tempo talvez por São Paulo ser uma cidade bastante menor e o mundo musical ser bem menor, então todo mundo se conhecia, então tinha um pouco mais interação e informação correndo. Hoje tem muita gente no mercado e músicos fenomenais, você vai assistir uma banda e pensa “pô, mas eu nunca ouvi falar” e o cara é um grande músico, quer dizer como é possível, eu vivo disso e nunca ouvi falar, isso não acontecia na época.

Eu: Mas você acha que esse “inchaço” do campo profissional tem alguma influência na qualidade?

NA: Eu acho que, isso aqui é um parênteses, eu acho que em quase toda profissão tem 5% de caras excelentes e o resto é o resto, então na música é a mesma coisa, eu acho que a proporção se mantém, só que hoje tem mais gente melhor porque tem mais gente fazendo, mas obviamente tem uma quantidade muito maior de músico ruim, o que acho que é a mesma coisa nos Estados Unidos. Uma coisa que eu esqueci e que é importante para você sobre a diferença dos músicos daquela época e dessa época é que agora ser músico é uma opção decente inclusive para a classe média alta, coisa que na época não era, então qualquer pessoa de classe média, como é o meu caso, que queria ser músico tinha sempre um problema com a família devido a uma certa resistência, e você encontrava a imensa maioria dos músicos brasileiros vindos ou da classe baixa mesmo ou da classe média baixa, gente que de outra forma teria sido um operário de fábrica, um tipógrafo, alguma coisa assim, e hoje em dia você vê muito músico formado em medicina, formado em psicologia, ou engenharia, ou que poderia ter cursado uma escola superior ou que cursou uma escola superior de música, coisa que na época não existia. Isso faz bastante diferença, na sua tese esse é um dado bastante importante. 


Eu: O que você acha do crescimento nos últimos 10 anos da produção independente? Já que grande parte da música instrumental é independente.

NA: Claro. Que eu saiba o primeiro disco independente foi um disco instrumental do Antonio Adolfo que é um pianista do Rio de Janeiro, ele gravou um disco chamado “Feito em casa”.

Eu: Era já com o “3D”?

NA: Sabe que eu não me lembro se era com o “3D”, ou se foi depois, foi no início da década de 80, então a gente tem já 20 anos de produção independente, o que se tornou uma tendência mundial, não só brasileira, em função da facilidade e do custo de fazer um disco independente, porque em 80 você ainda dependia de um estúdio com equipamento, com uma mesa muito cara, usava aquelas fitas de 2 polegadas, cada uma 
custava, sei lá, 400 dólares, para gravar 15 minutos, tudo importado, quer dizer você precisava alugar um estúdio, a prensagem do vinil era relativamente cara comparada com a prensagem do CD, você tinha que fazer fotolitos, quer dizer tudo o que era produção era mais caro, mesmo que você conseguisse os músicos de graça, era quase impossível para uma pessoa sozinha, hoje com as facilidades tecnológicas, gravação em computador, hard-disc, tudo é mais barato então a produção independente é um fato que agora não tem mais volta, vai ser isso, e as gravadoras completamente perdidas sem saber o que fazer.

Eu: E varias dessas produtoras independentes que nascem a partir da reunião de músicos que se juntam e resolvem fazer.

NA: Sim claro, o pessoal fala então vamos cuidar a gente mesmo das nossas coisas.

21.3.09

Airto Moreira e “Los Bossa Norte” em São Paulo

Em entrevista realizada em 01/07/2003, Airto Moreira fala de seu conjunto “Los Bossa Norte” e momentos inesquecíveis de sua passagem pela boate Variety em São Paulo quando o grupo se encontrou com a banda de Ray Charles: 

Eu: O que você diria sobre a experiência de tocar música ao vivo?

AM: A música é uma coisa que não é desse planeta, a música é uma coisa universal e existe uma energia quando a gente toca ao vivo (…) que é a energia universal que acontece quando a gente toca ao vivo, e quando a gente tem, além de tocar ao vivo, tem respeito e amizade um pelo outros, os músicos, e a gente não esta querendo aparecer e nem ser o mais rápido, o mais forte, o mais alto, isto é, quando a gente está realmente, vamos dizer compartilhando a música, isto é, tocar é ajudar um ao outro, com a música, quando a gente faz isso durante algum tempo com as mesmas pessoas tem uma energia que se forma e toda vez que a gente toca juntos essa energia acontece imediatamente. Então ela fica estabelecida. Cada um dos músicos, e cada um de nós tem o poder de usar essa energia quando toca, está lá sempre pra gente, e ela está lá pra todo mundo, até para as pessoas que fazem outras coisas, trabalham em escritório. A atitude na vida que é uma coisa positiva ou não. Quando a gente toca qualquer tipo de música, se a gente estiver aberto e tocando direito... 

Eu: Que tipo de repertório você tocava aqui em São Paulo na década de 60?

AM: Eu me lembro quando eu tocava com as bandas aqui em São Paulo, bailes, eu tocava boleros, eu tocava com pessoas mais velhas do que eu, tinha umas quatro bandas que eu tocava com eles, e eles eram bem mais velhos do que eu. Me lembro que nem todos os caras da minha idade tinham essa disposição, ou quando ia tocar ficavam olhando no relógio porque o tempo não passa, sabe como é? Mas eu me divertia, tocava direito, e olhava para eles, e eles olhavam para mim e sorriam como quem diz “vamos nessa” e todo mundo dançando e o salão se enchia de gente e de repente o tempo passou e terminou a noite. Isso é uma coisa importantíssima que naquela época existia mais do que agora. Porque agora a vida está muito difícil cada um. Todos têm que sair correndo. Naquela época também a gente saia fazendo isso, mas não era tão rápido como é agora. E essa energia que nos tínhamos quando tocávamos juntos com o conjunto “Los Bossa Norte” (risos) era incrível, eu cantava e tinha certas músicas que eu tocava bateria, mas eu cantava e tocava percussão, o Inaldo tocava bateria, o Mozart no piano, às vezes tinha o Zé Tetéia que era baixista e tinha o Bob que era um escurão 
grandão que tocava forte, o Dorimar [Vasconcelos] no trompete e o Cangaceiro [Antonio Arruda] né!! Os arranjos tudo certinho, ele escrevia tudo direitinho e tal e a gente tocava numa casa noturna onde o ambiente não era assim tão propenso à música boa e aquele conjunto era bom. A energia que a gente emanava naquele lugar era tão linda que todo mundo gostava da gente, as mulheres que trabalhavam lá, sabe... cumprimentavam com respeito, era como uma família mesmo, os fregueses mandavam dinheiro, não é que eles pediam para tocar tal música, eles mandavam coisas para os músicos, dinheiro, ou então cervejas, uns champagne, chamava-se “Variety” e ficava na Marjor Sertório, era do lado do “L aVie en Rose”. Ali tinha umas 20 mais ou menos.

Eu: Você se lembra de algum dia em especial que teria acontecido algo que te marcou?

AM: Eu me lembro que uma vez veio a orquestra do Ray Charles para tocar num show grande e os músicos estavam andando por lá, porque lá tinha movimento à noite, e tinha uns 4 mais ou menos, eles passaram na frente e ouviram o som e entraram, ficaram na porta um pouco olhando (...) sentaram, pediram uma bebida e ficaram lá a noite toda, e tinha um baterista que deu uma canja. Depois no outro dia eles foram lá, mas a gente não falava inglês, a orquestra em peso, entraram e sentaram (...) e daí foram dar canja, pianista, baterista, baixista, e o Cangaceiro e o Dorimar ficaram tocando com eles e a gente ficou só olhando, foi demais, foi assim incrível mesmo. Eles não dançaram com as mulheres, não namoraram, eles foram lá para tocar e isso foi incrível e depois eles foram embora. E tinha um baixista chamado Zezinho Alves, o Zé Bicão, tocava piano também, tocava muito e ele falava inglês como se fosse americano mesmo, ele conversou muito com o pessoal, e ele explicava pra gente e tal, isso foi muito marcante pra todo mundo ali naquela “boca” que a gente tocava, foi um acontecimento incrível.

A gente sabia que o conjunto era bom, mas o conjunto era muito melhor do que a gente
pensava, e isso eu posso dizer hoje em dia porque eu vejo e vi muitos conjuntos e é isso, o conjunto era muito bom. Mas não chegamos a gravar, só shows a apresentações, não tinha empresário e esses negócios.


Biografia: Airto Moreira (Aírton Guimorvan Moreira), instrumentista e compositor, nasceu em Itaiópolis SC em 5/8/1941. Com seis anos de idade entrou para a Rádio Ponta-Grossense, de Ponta Grossa PR, como cantor, estudando em seguida piano, violino e bandolim como bolsista da academia de música da cidade. Em 1954 tornou-se profissional, contratado pelo conjunto Jazz Estrela, seguindo dois anos depois para Curitiba PR, onde trabalhou como crooner de boate. Em 1958 trabalhou nas boates das docas de Santos SP, mudando-se depois para São Paulo SP, onde foi contratado como percussionista de Guimarães e seu Conjunto, ao mesmo tempo atuando como cantor e baterista numa boate.

Em 1962 integrou como baterista, o então organizado conjunto Sambalanço Trio, ao lado de César Camargo Mariano (pianista) e Humberto Claiber (baixista). Com esse trio estreou no Juão Sebastião Bar, gravou três discos e realizou shows com Lennie Dale, no Teatro Arena, de São Paulo, em 1963, e depois na boate ZumZum, no Rio de Janeiro RJ. Com Aluísio ao piano, integrou o Sambossa Trio, gravando um disco com o conjunto.

Em 1966, com Tuca, defendeu Porta-estandarte (Geraldo Vandré e Fernando Lona), no FNMP, da TV Excelsior, de São Paulo. Como percussionista, tomou parte ainda no Quarteto Novo, com Heraldo (viola e guitarra), Teo de Barros (contrabaixo e violão) e Hermeto Pascoal (flauta). Em 1970 já havia gravado o disco Natural Feelings, pela Buddah Records, e no ano seguinte gravava, com Miles Davis, Miles Davis at Fillmore. Saindo do conjunto de Miles Davis, ficou dois anos com Chick Corea no conjunto Return to Forever e formou em seguida seu próprio conjunto, Fingers.

Seu estilo único influenciou os caminhos do jazz moderno, levando a revista norte-americana Downbeat a incluir a categoria Melhor Percussionista do Ano em suas enquetes aos leitores e crítica especializada, vencida por ele mais de 20 vezes desde 1973.

Casado com a cantora Flora Purim (Rio de Janeiro RJ 6/3/1942—), desde a década de 1970 tornou-se um dos percussionistas mais requisitados nos EUA. Trabalhou com Quincy 
Jones, Herbie Hancock e Paul Simon; participou de trilhas sonoras de filmes (O exorcista, O último tango, Apocalypse Now), viajou pela Europa, América Latina, Japão e EUA, dando cursos e palestras em universidades e escolas de música, além de seus shows.

Desde 1994 este conjunto excursiona pelo mundo, apresentando com sucesso uma mistura de bossa nova, samba e jazz, classificada por Airto como world music. Seu interesse por world music e por dance music surgiu em meados dos anos de 1990, abrindo novo mercado para suas produções a partir do remix (arranjos com ritmo tecno para dance music) de suas composições ou de música regional do Brasil (trabalhos com a Banda de Pífanos de Caruaru, Mestre Salustiano e seu Grupo, Maracatu Nação Erê, os três de Recife PE) ou de outros países como Marrocos, Quênia e África do Sul, dos quais já fez a produção de grupos musicais para a gravadora inglesa Melt 2.000. (Fonte: Enciclopédia da Música Brasileira -- Art Editora).

17.3.09

Benjamim Taubkin, Orquestra Popular de Câmara e os vários Brasis

Em entrevista concedida em 17/05/2003, Benjamim Taubkin fala do início de sua carreira na música, da vida de instrumentista, da Núcleo Contemporâneo, sua experiência de composição, mercado da música instrumental e outras cositas más... Neste excerto da entrevista encontramos uma pequena amostra da clarividência deste músico e produtor falando sobre suas composições e visão de identidade nacional representada na música da Orquestra Popular de Câmara:

Eu: E como é para você compor para a Orquestra Popular de Câmara?

BT: Pra mim é o máximo porque primeiro, eu pensei no som, eu adoro a experiência da orquestra e acho que todos nós adoramos, estamos juntos todos esses anos por pura paixão dos músicos, e ela não pesa para ninguém, ela é leve pra todo mundo, porque a gente adora tocar, a gente se diverte, a gente sabe que está fazendo música, a gente sabe que está falando do nosso país num momento específico, mas com um olhar amoroso então todas essas experiências são muito boas e é onde todas as pessoas estão com seu 
universo representado. O Ari [Colares] é o Ari, não é um músico prestando um serviço num grupo substituível, se pôr outra pessoa é outro som, a orquestra é o exercício da criação coletiva, do respeito à individualidade e ao mesmo tempo respeito ao espaço, tem muita disciplina na orquestra para se chegar a essa liberdade, para não virar uma zona, mas a disciplina é de tal forma que todos caibam e que todos se escutam, esse é o desejo.

Eu: A impressão que a gente tem é que passam muitos brasis naquele palco...

BT: Esses vários brasis que passam no palco, no fundo fazem sentido pra gente, eu não quero macaquear uma coisa, ou ser também mais simples do que sou, não dá, eu quero que seja inteiro e acho que todos querem isso lá, não pode ser nem mais complicado nem mais simples porque seria falso, eu não moro no meio do sertão, não é verdade isso para mim, eu tenho toda a influência que eu tenho, eu ouvi desde o Tom Jobim, a Ella Fitzgerald, Herbie Hancock, Schumann, Schubert, pra mim está ali também, junto com bumba-meu-boi, com congada, junto com música árabe, indiana, esse é o meu mundo, e eu quero poder fazer sem restrição se pra mim faz sentido.

Eu: E é muito claro isso para todos da orquestra?

BT: Acho que sim porque ninguém é cerceado em nada ali a não ser, por exemplo, percussão está tocando muito alto, não está dando para ouvir o resto. São questões musicais para que todos possam se ouvir e para que se faça música junto, agora que a música vai sair, está na mão de todos.

6.3.09

Finalmente está pronto!!!! Narrativas Musicais, o livro...

É com grande satisfação que finalmente anuncio o livro NARRATIVAS MUSICAIS. Peço desculpas aos internautas pela demora em postar novos materiais, mas a justificativa é o acúmulo de atividades nos últimos dias, principalmente no que diz respeito à finalização do livro. Agora que o livro está pronto, um lançamento oficial se anuncia. Não há ainda uma data marcada, mas em tempo será aqui postado o convite oficial. Por ora apresento, finalmente, esta que espero seja uma obra que leve prazer ao leitor e ... porque não dizer ouvinte...

O conteúdo é o seguinte:

PREFÁCIO do Prof. Dr. Alberto Ikeda

PARTE 1

Capítulo I “Música Popular Instrumental Brasileira: Personalidades e Cenário”
Personalidades Sonoras 
Aspectos do Cenário 
A Rede 

Capítulo II “Fronteiras sem Limites”
Autores e Linhas 
A Trança 
Entre Mundos 
Risco e Surpresa
Canção sem Letra 
Local Universal
Fusão à Brasileira 
Mitos no Som 
Pósludio 

Capítulo III “Contextos e Processos da Performance Musical”
Performance e Script 
Algumas Sonoridades 
Vestígios e Arestas 

Capítulo IV “Música Popular Instrumental Brasileira em São Paulo”
Circunstâncias da Produção 
Vitrine de Tensões 
“International National Music” 
Ordem e Desordem 
MPIB e a Mídia 

PARTE 2

Capítulo V “Etnografia do Fazer Musical”
Etnomusicologia e a Sociologia da Música 
Antropologia, Performance e Hermenêutica
Etnomusicologia e o “Fazer Musical”
Construção da Análise 
Procedimentos da Pesquisa de Campo 
Etnografia das Performances 
Entrevistas com Músicos e Ouvintes 
Materiais Fonográficos de Acervos 
Pesquisa Bibliográfica, Fonográfica e em Mídias 
Banco de Dados Geográfico Multimeios 

Capítulo VI “Experiências Musicais e Identidade Nacional”
Música e seus Personagens 
Da Noção de Pessoa ao Personagem Sonoro 
Da Performance ao Fazer Musical 
Experiência Musical e Identidade Nacional Imaginação Global e Mediação 

CONSIDERAÇÕES FINAIS
“A Substância Social das Montagens Musicais”