19.1.10

Antonio Arruda "Cangaceiro": uma história de sucesso


Realizei esta entrevista com o Maestro Antonio Arruda “Cangaceiro” em 08 de março de 2002, juntamente com seu filho Dário. Naquela época eu tocava no grupo Arruda Brasil, arregimentado pelo maestro e seu filho. Sob o impacto dos arranjos muito bem escritos, eu, que não possuía informação nem para avaliar os arranjos, já percebia as maravilhas que ali estavam. Mais tarde em 2003, ao iniciar a pesquisa de campo, pude ouvir de vários entrevistados a importância atribuída ao maestro. Músicos como Airto Moreira, Magno D’Alcântara, Nelson Ayres, Hermeto Pascoal, conheceram e trabalharam com o maestro. Nas ocasiões em que seu nome era mencionado, minha referência se ampliava, e sempre o nome de Antonio Arruda era acompanhado de elogios, tanto no que diz respeito aos arranjos, quanto às suas qualidades de instrumentista. Nesta entrevista ficam claras suas preferências, o trabalho de arranjador e instrumentista ao lado de Enrico Simonetti, ou então tocando ao lado de seus compadres Piraí, Casé, seu cunhado Dorimar Vasconcelos, o pianista Roberto Dantas, entre outros. Após seu falecimento em 01/11/2006, seu filho Dário Arruda toma a responsabilidade de tocar a diante o trabalho de seu pai, sempre preservando a qualidade e bom gosto deste grande arranjador. Acompanhem a entrevista e conheçam um pouco mais da história e da vida deste grande nome da música brasileira.

Giovanni: Como foi que o senhor resolveu entrar na música, como escolheu o instrumento?

Antonio Arruda: Eu via meu pai que era diretor de orquestra e lá em casa tinha os instrumentos, tinha clarinete, trombone, piston e todos os ensaios eu ficava lá ouvindo, mas eu nunca tinha me interessado por música, depois de um tempo me chamaram, eu tocava muito bem, mas de ouvido. Aí eu comecei a ver umas coisas e tocar umas partituras de músicas de carnaval, a partir dessa orquestra Eu não podia me dedicar à orquestra porque eu não lia, daí na época da guerra, quando acabou a guerra em 45, de tanto ouvir o ensaio da banda, eu comecei a ajudar o maestro. Comecei tocar o clarinete. Alguns trechos só, que eu não tinha noção nenhuma de música, tocava de ouvido mesmo, quando chegava o maestro aí eu parava (…).

G: O senhor tinha que idade?

AA: Eu tinha uns dez anos. Nessa época eu era sapateiro, trabalhava na sapataria e ganhava uns trocados para poder tocar na banda e como tinha pouca gente na cidade a gente segurava a banda, era sócio da banda e eu comecei a tocar. Comecei a tocar e quando veio o final da guerra tinha um monte de arranjos americanos, (…) inclusive três ou quatro arranjos da mesma música (…).

G: E como foi que eles trouxeram? Não foi por acaso.

AA: Não. Depois da guerra, as orquestras americanas tocavam mesmo.

G: Então eles vinham animavam os soldados e deixavam os arranjos?

AA: Deixavam arranjo, deixavam instrumentos e deixavam estantes. Foi na época que apareceu o Tommy Dorsey. Eu queria tocar aquela música, mas não conseguia, era meio difícil e eu não sabia direito nem o nome das notas, nem nada. Eu comecei a estudar com o maestro. Ele com um monte de criançada viu que eu tinha jeito pra música. Aí eu levei a serio. Em um ano eu estava tocando na orquestra. A orquestra era de um pistonista do Recife chamado Larri (?), e o Chacrinha (Abelardo Barbosa) era o baterista dessa orquestra, então eu comecei a tocar e era a mesma formação da banda do Recife, 4 saxofone, 2 piston, 2 trombone, banjo, bateria, igual uma orquestra daqui.

Eu comecei a levar a sério o negócio, de vez em quando eu dava cada uma que não sei não... Tinha uma música que eu não conseguia tocar naquela época era uma música americana que chamava-se, deixa eu ver se me lembro, (canta) eu sei todas as músicas de cor ainda (risos), mas os nomes... (…) aí eu fiquei uma semana com essa música em casa e não conseguia tocar, eu tocava uma vez a música e aí ela modulava, tinha muitos sustenidos, e eu não sabia fazer os sustenidos depois, como era difícil eu encostava a música e dizia: eu não vou tocar essa música não, tá difícil (risos). Aí, tinha um regional na minha cidade lá [Limoeiro – PE] e eu comecei a tocar chorinho com o pessoal da velha guarda da época, (…) então eu comecei a tocar choro e foi aí que eu desenvolvi. O choro é uma música de muita mecânica, os caras me levavam para tocar em conjuntos de chorinho e eu comecei a me interessar e a tocar choro mesmo. Aí comecei a fazer introdução pro cantor entrar na música, era dois violão, o cavaquinho e o pandeiro. Então o que eles me indicavam eu fazia, os caras tiveram muita paciência comigo, eu já tava bem bom. Música lenta eu já tocava de cor e tal. Aí eu fui para Campina Grande na Paraíba e eu comecei a tocar por dinheiro (…). Eu me apresentei com uns músicos de lá e naquela época não tinha documentação para tocar. Comecei a tocar com um pianista chamado Zé Maria e um baterista chamado Juraci que era primo do Jacson do Pandeiro. Então veio uma mulher de Fortaleza e contratou os músicos para tocar no cabaré. Aí a coisa começou a mudar de posição. Eu já comecei a querer fazer arranjo. Eu não sabia como funcionava os outros instrumentos, a escrita eu não sabia. Chegamos lá e começamos a tocar. Tinha também o Circo Garcia, que comecei a trabalhar também. A orquestra era formada por todos os instrumentos que tem hoje em dia (…) aí eu comecei a viajar com o circo, nas cidades vizinhas, viajamos, saímos de Fortaleza e fomos para o Piauí. Naquela época o circo era circo-teatro, qualquer cidade era no mínimo 60 dias que ficava. Antes de chegar em Teresina nós fomos para a Parnaíba cidade do Piauí, depois voltamos para Campo Maior (?) em Teresina e de lá viemos para Mossoró, Rio Grande do Norte. Lá eu deixei o circo (…) essa era uma cidade com muita salineira e essas coisas. Do circo só ficou eu lá e fiquei um ano. De lá fui para Fortaleza trabalhar na Radio Iracema. Tinha muito músico, mas era tudo militar. Tinha poucos músicos civis. Aí eu fui tocar na Orquestra da Rádio e eu não conseguia tocar lá (risos). Teve concurso para pegar mais músicos porque a turma da base era pequena e tinha que completar o número de músicos. Aí tinha um capitão grande, a gente tirava sarro de todo mundo. E tem um negócio bem pitoresco (…), o Durval, com quem eu trabalhei muito, o Vitório tocava clarinete na banda (…), eu, o Gonzaguinha. Tudo isso depois que deixei o circo em Fortaleza. Toquei mais de um ano lá, depois acabou a orquestra e eu fiquei com o Regional em Fortaleza. O Circo tinha se ajeitado aqui no interior de São Paulo (…) e comecei a montar a orquestra de novo, o primeiro músico eu peguei do circo mesmo, peguei mais três saxofonistas no interior de São Paulo, mais um pistonista, um trombonista e fui arrumando conforme a disposição musical. Foi a primeira banda que eu montei aqui. Formei a banda e toda tarde agente ensaiava. Naquele tempo não tinha músicos assim como tem hoje, tinha mais na cidade. Não tinha a possibilidade de encontrar, não encontrava músico de jeito nenhum, a gente sabia por intermédio de outros músicos. Depois o circo foi para o Rio de Janeiro e ficou oito meses.

G: Então você voltou a tocar no circo?

AA: Voltei, daí eu voltei para Fortaleza e entrei em outro circo e comecei a conhecer outras músicas. Eu ficava de noite escutando rádio em estações que tocavam músicas americanas. Tinha aqueles rádios Philips que estalava que só, (risos) era pipoca de todo lado. Tinha muita estação de rock, e eu pequei e fiquei dois meses. De lá eu vim direto para São José do Rio Preto, de São José que a bandinha saiu.

Depois o contrato que eu tinha com o circo acabou justamente no dia em que nós chegamos aqui em São Paulo, e esse pistonista que tocava com agente era de Santos e ele falava: “Toninho quando a gente chegar em São Paulo eu vou te levar na melhor orquestra do Brasil” que era a orquestra do Clóvis Eli. Cheguei aqui e o pistonista falou para o Eli “aqui tem um saxofonista muito bom” e estava faltando justamente um sax na banda. Aí eu toquei uma rodada com eles. Tinha uma música na época que era muito tocada (…) que era “Body and Soul” e aí no dia seguinte eu já comecei.

Dário Arruda: Quem eram os músicos dessa banda aí, os mais famosos? O Casé já fazia parte dessa aí né?

AA: Casé, Piraí …

DA: O Adolar não passava por aí não?

AA: O Adolar tinha outra orquestra.

AA: Casé, Piraí, o Roni (?) fazia, e tinha outro sax que agente chamava de Virgem. Ele andava sempre bem arrumado. Você sabe que naquele tempo todo mundo andava alinhado. Depois veio o Edgar, o Dorimar, meu cunhado que tomava mé que não acabava mais, Dorimar, os dois Paioletti, o Sétimo e o Mário…

DA: O Branco (Maestro José Roberto Branco) não tocava nessa banda?

AA: Não o Branco veio bem depois, ele chegou por aqui em 1950, por aí, eu sei que foram vários músicos, o Papudinho (piston) também.

DA: E além dos circos tinham os bailes naquela época?

AA: Naquele tempo, não tinha TV ainda, nada, era tudo ao vivo, não tinha playback, tinha que tocar mesmo nos reclame dos rádios que começava às onze horas, meio dia, e ia até 6 da tarde. Os artistas ficavam no fim pra segurar o público. Tinha muita gente famosa da época. Depois de [Clóvis] Eli tinha [Silvio] Mazzuca, Osmar Milani, várias orquestras. É que eu não estou lembrado. Peguei o gosto de tocar em orquestra. Tinha muita disputa entre maestros aqui em São Paulo.

Depois eu formei uma orquestra pequena. Estava muito difícil arrumar os trabalhos porque já estavam começando os playbacks. Era aquele disco de 78 rotações por minuto, que era dessa grossura... Então era complicado, eu não sei como eu fazia para gravar. Aqui no Sumaré tinha um estúdio, tinha um corredor que o pessoal usava, fechava as portas e faziam o estéreo assim, dava a sensação. O Simonetti gravou uns cinco ou seis LPs, logo que apareceu o LP. E esse estúdio fez também uns dois ou três playbacks para o Dick Farney. O Simonetti morou nos Estados Unidos, ele era ousado, e conseguiu um contrato lá, levou uma fita, fizeram a ficha, foi lá mostrou e o pessoal perguntava: “mas a orquestra é brasileira com músicos brasileiros que gravou isso daí” já não acreditando mesmo. Músico brasileiro lá fora quase não tinha e o pessoal não acreditava (…), tinha italiano, argentino, libanês, trombone era o Gagliardo, Bill(?), (?) e o Espanhol que tocava trombone baixo, e a seção de cordas. O estúdio mal cabia os músicos da banda e gravou esse som, sem eco, não tinha eco porque não existia eco. Uma curiosidade esse microfone no corredor.

G: E aí ele arrumou esse contrato lá fora?

AA: É, mas a Ordem dos Músicos de lá descobriu e proibiu a gente de fazer. Tinha que fazer com músicos de lá, orquestra de lá (…), sei que os músicos da época, a maioria já morreu mas acho que era só isso que eu tinha para falar (risos).

G: A banda do Simonetti surgiu em que época?

AA: Já tinha televisão e já tinha playback, e o LP, 58, 57 ainda tinha o 78 bolachão e já tava saindo de circulação. Eles queriam fazer um LP, então aconteceu um negócio que nem eu estava sabendo, o Miltinho (?) aquele lá do RJ estava com um arranjo que eu fiz.

G: De que música?

AA: (Cantarola) não lembro o nome não, era um samba canção. Eu tinha feito um baile em SP, e ia gravar às duas da tarde.

DA: Agente queria saber mais dessa época que você trabalhou nas editoras e nos programas de rádio, tenta lembrar algum programa. Tinha aquela história com a Hebe Camargo, o teatro Bandeirantes...

AA: Isso era outra coisa, ficava na Brigadeiro Luis Antonio.

DA: Tinha o Bolinha, a Buzina do Chacrinha...

AA: Voltando ao Simonetti, eu lembro que essa era a melhor, as outras eram boas, mas quando chegava ele não dava. Então os violinos já começam a ser uma novidade aqui nessas bandas. Um fato curioso, um dia a gente foi tocar em Ribeirão Preto e esquecemos o repertório aqui em SP, eu levava todos os arranjos dentro da sacola, chegamos lá tocamos um negócio lá e dissemos “bem o repertório não veio”. A sorte foi que o pessoal da RGE mandou uma pessoa de avião aqui pra SP pegar o repertório. O repertório foi chegar lá era 3 horas da manhã e o povo estava pensando que a orquestra era daquele jeito mesmo, todo mundo tava tocando de ouvido (risos).

G: E às 3 vocês começaram a tocar os arranjos?

AA: A gente já tinha começado, mas só de ouvido. Quando chegou o repertório, só por causa disso fizeram a gente tocar até 6 da manhã e foi um baile danado de bom. Depois disso o Simonetti colocou só um cara para cuidar do repertório “fica na sua mão não quero saber se está chovendo se não está, quero saber que se o baile é onze horas, dez e meia tem que estar o repertório em ordem”. Depois disso nunca mais faltou repertório. Mas essa orquestra era boa.

DA: Nessa época você já vinha apresentando a orquestra ao vivo.

AA: É tinha isso. E todo mundo conhecia os músicos. Chegava em uma cidade do interior (…) tinha gente com relação com os músicos (…) e era sempre 10, 20 pessoas atrás da orquestra, conquistava o ambiente, era uma orquestra de moral, tinha gente que quando via a orquestra ficava apavorado porque nunca tinha visto aquilo ali. Uma orquestra de jazz com cordas e tudo, os maestros aqui não queriam fazer porque ficava muito caro.

G: Foi praticamente o que a Jazz Sinfônica fez depois?

AA: É, o mesmo tipo de formação.

DA: Mas é mantido pelo governo, a Orquestra do Simonetti era particular.

AA: A Orquestra era da RGE, era a Orquestra que sempre gravava, os bailes eram outra coisa. O Simonetti queria manter a Orquestra (...), e aí ele não sabia administrar essas coisas. As orquestras estavam diminuindo e ele montou uma orquestra com o dobro de pessoas. Uma orquestra menor tem mais facilidade de vender. O Simonetti vendia a orquestra (…) porque o empresário tinha muita dificuldade pra vender. Mas tinha serviço para todo mundo, tinha serviço mesmo. As rádios tinham muitas orquestras, qualquer rádio. Qualquer coisa a orquestra estava preparda, ela preenchia qualquer buraco, propaganda.

G: E que emissora de rádio era?

AA: Piratininga, Bandeirantes, Excelsior, tinha muita orquestra. Tocava aqui até 11 horas depois tocava à noite, tinha dois turnos, tinha repertório pra tudo, era uma peça fundamental. Do Simonetti pra cá veio Agostinho dos Santos, a Elis, depois do Agostinho dos Santos, Clara Nunes, Beth Carvalho, Maysa, e vai indo, Juca Chaves.

G: E a Maria Creusa?

AA: Essa vem depois na época dos festivais, da bossa-nova. Porque quando o Simonetti foi embora acabou a orquestra, eles deixaram a orquestra na mão do Elton Jaime (?) e não sei porque o Jaime não conseguiu segurar a banda.

G: E para onde ele foi?

AA: Ele foi para Roma dirigir a orquestra da RAI. Eu tocava ainda na banda, mas depois eu parei porque não estava mais como antes, por incrível que pareça a pessoa dele tinha muita influência lá na frente. O Simonetti era um cara tão pra frente que se alguém o peitasse, ele fazia questão e dizia: “está certo, então você passa no escritório que agente vai acertar esse negócio”. E num segundo estava tudo certo. Não tinha conversa fiada. Ele falava: “às duas horas tem um apontamento”, às duas e um no máximo ele estava lá, era pontual mesmo, europeu. Já tinha outra visão completamente diferente. A gente sentia isso. Sentia que ele tinha força, cheio de interesse, coisas simples, brincadeiras de palco. O Espanhol era um cara muito rico a ajudava muito a gente, ele levava uma casaca e tinha um despertador no bolso, aí despertava no bolso, era uma bobagem, mas o povo gostava daquilo, uma brincadeira. Aí a gente começou a fazer, o outro faz aquilo... criava personagem, ele era assim cheio de graça.

G: E nessa época que o senhor tocava com o Simonetti qual foi o momento mais importante que o senhor lembra?

AA: Bem pra mim foi uma vez que ele fez aquelas piadas e tal, e nesse dia ele me fez vestir de cangaceiro, foi aí que nasceu o apelido. Depois da apresentação, o teatro estava lotado. Ele falou para eu ir lá na frente porque eu tinha feito o solo daquela música, e todos me aplaudiram de pé. Foi um momento muito importante da minha vida, aquilo pra mim foi tudo, o público agradecendo, eu não queria mais nada, aqueles três ou cinco minutos talvez tenham sido os minutos mais importantes da minha vida.

G: Depois do Simonetti o que aconteceu?

AA: Eu comecei a trabalhar arranjos direto com a gravadora RGE (…). Gravava muita música do pessoal de Goiás, tinha muita gente. De repente chegava um pior que outro, sem ritmo. No estúdio você escutava e tal e não dava mesmo, às vezes não sabiam que estava gravando, às vezes tinha que fazer tudo picotado. Tinha uns cantores do Rio também, mas a maioria era música caipira, não de São Paulo.

G: Nessa época você já estava nas Editoras?

AA: Trabalhei uns nove anos depois mais quatro, depois eu parei. Irmãos Vitale e tinha outras também (…). Da Vitale eu comecei a arranjar para as gravadoras e já tinha aquele sistema, tal hora, tal dia tantas horas. Trazia minhas músicas, passava na Ordem e eu escrevia conforme o gosto do cantor. Tinha música que era ruim mesmo e não tinha jeito. Então aquilo era o clima. Agora não tinha mesmo jeito, tinha muita gente tocando desafinado. É isso aí, o músico vai se aperfeiçoando. Mas tem muitos bons músicos também (…).

G: Década de 70 e 80 você ficou mais fazendo os programas de televisão mesmo?

AA: É. Eu fiz uma orquestra na TV Bandeirantes que tocava em vários programas.

G: E que programas eram esses?

AA: Não lembro mais não, sei que eram programas de criança. E tinha criança que era mais musical que adulto (risos) é verdade. Às vezes a criança já vem desenvolvida. Vinham as bandas de 1950 pra frente. A Rádio Tupi tinha duas orquestras, a Rádio Nacional tinha duas orquestras, tinha uma de manhã e outra a noite. Essa da noite era da pesada, o próprio maestro acompanhava os caras (…), depois começou a cair, foram aparecendo os playbacks, já não tinham mais programas de rádio (…).

G: Depois os programas de televisão passaram a não ser mais ao vivo, começaram a ser gravados?

AA: É. Só que no sistema. Naquela época, depois da bossa veio o sambão, (…) seção rítmica bem misturada, depois veio tanta coisa (risos). Aí eu conheci o Roberto Carlos.

G: Pra ele você escreveu também?

AA: Não, pra ele não. Só escrevi umas coisas nos Festivais, naquela época tinha muito programa da Jovem Guarda (…) gravamos várias coisas, “O Fino da Bossa” com a Elis.

G: Nesse o senhor arranjava ou tocava também?

AA: Participava tocando e às vezes eu fazia o arranjo, fazia os dois se necessário. Com o Jair Rodrigues também era assim. Foi muito difícil para ele na época, o artista tinha que tomar muito cuidado com a voz.

G: E a época que o senhor fazia no Terraço Itália foi quando?

AA: Foi em 65, quando eu vim do México, fui tocar num grupo fiquei seis meses e aí eu formei o grupo que eram dois sopros, eu e o Dorimar.

G: Nessa época era o Roberto Dantas?

AA: Não o Roberto foi depois ainda, ele já existia na noite, mas não tocava com nós, depois veio o Roberto. O Roberto era muito bom pianista, nunca vi tão bom, estudou mesmo tudo de base, de jazz, ele começou com nós porque nunca errava uma nota, infelizmente ele faleceu.

G: E como foi que o senhor parou de tocar lá no Terraço?

AA: A gente foi para ficar dois meses e ficamos quatro. Tinha ainda dois meses de contrato, depois o dono da casa (…) pediu pra gente mudar as músicas, mas também não deu certo (…), depois um músico sofreu um acidente, um caminhão passou em cima dele, aí não tinha jeito.

G: Mas vocês continuaram tocando?

AA: Aí nós paramos.

G: E foi nessa época que você ganhou aquelas baquetas do Art Blakey?

AA: Foi, foi nessa época sim.

G: Como que foi esse episódio?

AA: Sabe que nem sei direito, sei que foi parar na minha mão, que o cara estava lá. O francês também, aquele amigo, o Michel Legrand, que tocava no Terraço também. Como é o nome do outro? Não vou lembrar. Eu estava tocando “Corcovado”, depois ele foi falar com a gente, ele falava francês e português enrolado pra burro. A gente entendeu, ele queria ver as partituras de “Corcovado”. Eu peguei e dei o arranjo pra ele, ele não tinha música daquele tipo intimista.

G: E ele levou o arranjo pra tocar na banda dele?

AA: É, ele tinha uma orquestra de cordas parece, ele é conhecido, eu que não lembro o nome, era músico muito bom, todo mundo gostava, era som pra todo lado. O Burt Bacharach era bem rígido, ele estava procurando um cara que tocasse trombone direito e ele pegou o nosso trombonista que tocava tudo e ele não saiu do pé do cara, queria conversar, mas não dava, tinha três cantoras que também estavam lá, e um cara que tocava uns dez instrumentos, e tava puto da vida porque achava que o Bacharach não estava legal, aquelas músicas americanas bem rápidas. O sujeito tocava rápido e ele queria que o cara tocasse mais rápido ainda, mas oh velocidade rapaz... E o Bacharach aceitava tudo o que ele tocava (…). A orquestra do Bacharach é melhor ao vivo do que na gravação. É que nem ópera. Tem coisa que não dá, é aquela sensação que você está ouvindo como se fosse uma porção de vozes, é outro esquema mesmo.

G: E quando foi que o senhor montou a banda Reveillon?

AA: Essa foi a última. A Banda Reveillon começou com três sopros só, depois é que agente foi crescendo. Não tinha nada escrito, mas os músicos achavam ruim, eles queriam tudo escrito, então eu peguei e comecei a escrever os arranjos. Trouxe um arranjo da mesma música pro pessoal ver como era. E depois de tocar o cara da guitarra gritou: “é isso aí!” Não tem nada de dificuldade, mas é diferente. Aí começou, tocamos num aniversário na casa do Barão, o baixista, ele queria decorar tudo, mas era difícil, cada música difícil. Uma vez peguei o Osmar que tocava lá, eu peguei escrevi a bolinha e o nome em cima, o Osmar atacou e saiu tudo, ele lia só com o nome. Mas começou só com três, depois eu tive que fazer os arranjos para a banda grande, chegou a ter treze metais e mais a seção rítmica.

G: Essa é a formação que a gente está fazendo (me referi à banda Arruda Brasil da qual eu fazia parte).

AA: É essa formação nossa de agora trombone, trompete e três saxes. Fizemos a banda grande e estourou, só que comercialmente a banda era meio mijada porque tinha os empresários ganhando uma nota em cima e outros nada, os músicos mesmo não ganhavam nada. Eu sabia que estavam pagando X e o grupo recebia outro X, aí fui no escritório e falei tudo porque todo mundo tinha que ganhar no final os caras ficaram ricos. Nem sei quem ficou no lugar do Barão depois que ele morreu. Nessa banda eu escrevia e tocava, tinha que fazer os dois, muitas bandas que eu fiz o pessoal queria escrito mesmo, e tinha os editados para a Vitale, arranjo completo, sopros, cozinha, piano com a linha guia. Eu não sei daqui pra frente, agora acho que não vou fazer mais nada. Mas já fiz muita coisa por aí, não tenho mais muita condição. Eu ia pro interior trabalhar quatro, cinco meses e pesquisava pra fazer arranjo. Eu consegui entender a cifra, eu não entendia a cifra, eu consegui dominar e tinha muito maestro por aí que também não sabiam e os americanos já usavam. Quer dizer, os italianos também usavam mas era um pouco diferente. Eles escreviam o nome da nota mesmo (…), os americanos não, o negócio deles é banda. Quando eu estava no início da Record, eu pedia ao maestro para me explicar, mas ele nada. Depois de uns meses um dia eu descobri. Eu peguei uma partitura americana que tinha as notas e as cifras, e na época tinha muito jazz, era Gerry Mulligan barítono mas era difícil, foi ele que gravou com o Astor Piazzola, se não me engano foi o último trabalho dele mas ele já tinha idade.

G: E foi assim que o senhor descobriu o sistema das cifras?

AA: Foi. Entendi, e depois a gente vê como é fácil. [Chega sua esposa, Dona Maria Aparecida para acompanhar a entrevista]. De forma que eu aprendi as coisas mais assim, depois chega um ponto que tudo fica normal, mas no início era difícil porque a gente não sabe. A primeira coisa que a gente pensa é que não vai conseguir, não tem quem possa ensinar e depois fica fácil. Aí eu comecei a prestar atenção na música do Gerry, na seqüencia.

G: Da harmonia ou do solo?

AA: Da harmonia, normalmente eram quatro compassos. Outra coisa que eu queria saber, mas só tinha em livro, mas como é que eu vou fazer para arrumar esses livros? Era tudo americano! Aí eu descobri que tem muita música que era a mesma coisa. Mas isso depois de esquentar muito a cuca mesmo, depois eu aprendi as seqüências, mas a mão esquerda era sempre igual.

G: Era a mesma cadência em outro tom, é isso que você está falando?

AA: É. Em outro tom, nas seqüências de quatro, depois de muito tempo ouvindo, as músicas são feitas geralmente em 4, 8, 16, 32, 64 compassos, daí repete tudo. Isso pode ser em qualquer tom, mas quando eu chegava no quinto compasso eu não conseguia entender, podia ser menor ou maior. Depois eu descobri que o maior e o menor tocando junto dá certo (risos), mi maior com nona menor né?! Então eu comecei (…) a ver que uma música ruim podia ficar boa fazendo outro arranjo, mas em baixo está funcionando a harmonia normal, a base está tocando em dó, e os sopros estão tocando outras coisas. No caso do Roberto Dantas era por isso que estava sempre certo, ele sabia fazer isso (risos). Um outro pianista brasileiro inteligente chamava-se Igio Gomes (?) esse era completamente louco (…). Me mandou uma carta falando pra eu ir no hotel tal, dia tal, mas era lá na África do Sul. Acho que ele estava pensando que era como São Paulo e Campinas, como se fosse do lado. Ele dizia que os caras lá não sabiam tocar saxofone.

G: Ontem o Dario colocou uma fita de um arranjo seu com o Dantas fazendo o solo inteirinho blocado e dobrado em oitavas.

AA: Ele era demais. Meu cunhado então, adorava. Tinha um japonês que tinha uma voz igual ele, eles gritavam muito, faziam gozação (…) a gente até fez teste com outros pianistas na época, mas como o Roberto não tinha igual dificilmente ele errava, meu cunhado também, muito difícil ele errar.

G: Bem acho que era isso.

AA: Tá de bom tamanho?

G: O senhor falou coisas muito legais, inclusive a parte mais antiga sobre o Simonetti (...) muito obrigado pela entrevista, foi muito proveitoso, muito obrigado.


Um comentário:

JC Lang disse...

Olá,
Muito interessante o seu trabalho.

Um dos múscos da foto do naipe de saxofones é meu pai.

Vida dura naqueles tempos.

Um abraço
JC