12.8.10
19.1.10
Antonio Arruda "Cangaceiro": uma história de sucesso
Giovanni: Como foi que o senhor resolveu entrar na música, como escolheu o instrumento?
Antonio Arruda: Eu via meu pai que era diretor de orquestra e lá em casa tinha os instrumentos, tinha clarinete, trombone, piston e todos os ensaios eu ficava lá ouvindo, mas eu nunca tinha me interessado por música, depois de um tempo me chamaram, eu tocava muito bem, mas de ouvido. Aí eu comecei a ver umas coisas e tocar umas partituras de músicas de carnaval, a partir dessa orquestra Eu não podia me dedicar à orquestra porque eu não lia, daí na época da guerra, quando acabou a guerra em 45, de tanto ouvir o ensaio da banda, eu comecei a ajudar o maestro. Comecei tocar o clarinete. Alguns trechos só, que eu não tinha noção nenhuma de música, tocava de ouvido mesmo, quando chegava o maestro aí eu parava (…).
G: O senhor tinha que idade?
AA: Eu tinha uns dez anos. Nessa época eu era sapateiro, trabalhava na sapataria e ganhava uns trocados para poder tocar na banda e como tinha pouca gente na cidade a gente segurava a banda, era sócio da banda e eu comecei a tocar. Comecei a tocar e quando veio o final da guerra tinha um monte de arranjos americanos, (…) inclusive três ou quatro arranjos da mesma música (…).
G: E como foi que eles trouxeram? Não foi por acaso.
AA: Não. Depois da guerra, as orquestras americanas tocavam mesmo.
G: Então eles vinham animavam os soldados e deixavam os arranjos?
AA: Deixavam arranjo, deixavam instrumentos e deixavam estantes. Foi na época que apareceu o Tommy Dorsey. Eu queria tocar aquela música, mas não conseguia, era meio difícil e eu não sabia direito nem o nome das notas, nem nada. Eu comecei a estudar com o maestro. Ele com um monte de criançada viu que eu tinha jeito pra música. Aí eu levei a serio. Em um ano eu estava tocando na orquestra. A orquestra era de um pistonista do Recife chamado Larri (?), e o Chacrinha (Abelardo Barbosa) era o baterista dessa orquestra, então eu comecei a tocar e era a mesma formação da banda do Recife, 4 saxofone, 2 piston, 2 trombone, banjo, bateria, igual uma orquestra daqui.
Eu comecei a levar a sério o negócio, de vez em quando eu dava cada uma que não sei não... Tinha uma música que eu não conseguia tocar naquela época era uma música americana que chamava-se, deixa eu ver se me lembro, (canta) eu sei todas as músicas de cor ainda (risos), mas os nomes... (…) aí eu fiquei uma semana com essa música em casa e não conseguia tocar, eu tocava uma vez a música e aí ela modulava, tinha muitos sustenidos, e eu não sabia fazer os sustenidos depois, como era difícil eu encostava a música e dizia: eu não vou tocar essa música não, tá difícil (risos). Aí, tinha um regional na minha cidade lá [Limoeiro – PE] e eu comecei a tocar chorinho com o pessoal da velha guarda da época, (…) então eu comecei a tocar choro e foi aí que eu desenvolvi. O choro é uma música de muita mecânica, os caras me levavam para tocar em conjuntos de chorinho e eu comecei a me interessar e a tocar choro mesmo. Aí comecei a fazer introdução pro cantor entrar na música, era dois violão, o cavaquinho e o pandeiro. Então o que eles me indicavam eu fazia, os caras tiveram muita paciência comigo, eu já tava bem bom. Música lenta eu já tocava de cor e tal. Aí eu fui para Campina Grande na Paraíba e eu comecei a tocar por dinheiro (…). Eu me apresentei com uns músicos de lá e naquela época não tinha documentação para tocar. Comecei a tocar com um pianista chamado Zé Maria e um baterista chamado Juraci que era primo do Jacson do Pandeiro. Então veio uma mulher de Fortaleza e contratou os músicos para tocar no cabaré. Aí a coisa começou a mudar de posição. Eu já comecei a querer fazer arranjo. Eu não sabia como funcionava os outros instrumentos, a escrita eu não sabia. Chegamos lá e começamos a tocar. Tinha também o Circo Garcia, que comecei a trabalhar também. A orquestra era formada por todos os instrumentos que tem hoje em dia (…) aí eu comecei a viajar com o circo, nas cidades vizinhas, viajamos, saímos de Fortaleza e fomos para o Piauí. Naquela época o circo era circo-teatro, qualquer cidade era no mínimo 60 dias que ficava. Antes de chegar em Teresina nós fomos para a Parnaíba cidade do Piauí, depois voltamos para Campo Maior (?) em Teresina e de lá viemos para Mossoró, Rio Grande do Norte. Lá eu deixei o circo (…) essa era uma cidade com muita salineira e essas coisas. Do circo só ficou eu lá e fiquei um ano. De lá fui para Fortaleza trabalhar na Radio Iracema. Tinha muito músico, mas era tudo militar. Tinha poucos músicos civis. Aí eu fui tocar na Orquestra da Rádio e eu não conseguia tocar lá (risos). Teve concurso para pegar mais músicos porque a turma da base era pequena e tinha que completar o número de músicos. Aí tinha um capitão grande, a gente tirava sarro de todo mundo. E tem um negócio bem pitoresco (…), o Durval, com quem eu trabalhei muito, o Vitório tocava clarinete na banda (…), eu, o Gonzaguinha. Tudo isso depois que deixei o circo em Fortaleza. Toquei mais de um ano lá, depois acabou a orquestra e eu fiquei com o Regional em Fortaleza. O Circo tinha se ajeitado aqui no interior de São Paulo (…) e comecei a montar a orquestra de novo, o primeiro músico eu peguei do circo mesmo, peguei mais três saxofonistas no interior de São Paulo, mais um pistonista, um trombonista e fui arrumando conforme a disposição musical. Foi a primeira banda que eu montei aqui. Formei a banda e toda tarde agente ensaiava. Naquele tempo não tinha músicos assim como tem hoje, tinha mais na cidade. Não tinha a possibilidade de encontrar, não encontrava músico de jeito nenhum, a gente sabia por intermédio de outros músicos. Depois o circo foi para o Rio de Janeiro e ficou oito meses.
G: Então você voltou a tocar no circo?
AA: Voltei, daí eu voltei para Fortaleza e entrei em outro circo e comecei a conhecer outras músicas. Eu ficava de noite escutando rádio em estações que tocavam músicas americanas. Tinha aqueles rádios Philips que estalava que só, (risos) era pipoca de todo lado. Tinha muita estação de rock, e eu pequei e fiquei dois meses. De lá eu vim direto para São José do Rio Preto, de São José que a bandinha saiu.
Depois o contrato que eu tinha com o circo acabou justamente no dia em que nós chegamos aqui em São Paulo, e esse pistonista que tocava com agente era de Santos e ele falava: “Toninho quando a gente chegar em São Paulo eu vou te levar na melhor orquestra do Brasil” que era a orquestra do Clóvis Eli. Cheguei aqui e o pistonista falou para o Eli “aqui tem um saxofonista muito bom” e estava faltando justamente um sax na banda. Aí eu toquei uma rodada com eles. Tinha uma música na época que era muito tocada (…) que era “Body and Soul” e aí no dia seguinte eu já comecei.
Dário Arruda: Quem eram os músicos dessa banda aí, os mais famosos? O Casé já fazia parte dessa aí né?
AA: Casé, Piraí …
DA: O Adolar não passava por aí não?
AA: O Adolar tinha outra orquestra.
AA: Casé, Piraí, o Roni (?) fazia, e tinha outro sax que agente chamava de Virgem. Ele andava sempre bem arrumado. Você sabe que naquele tempo todo mundo andava alinhado. Depois veio o Edgar, o Dorimar, meu cunhado que tomava mé que não acabava mais, Dorimar, os dois Paioletti, o Sétimo e o Mário…
DA: O Branco (Maestro José Roberto Branco) não tocava nessa banda?
AA: Não o Branco veio bem depois, ele chegou por aqui em 1950, por aí, eu sei que foram vários músicos, o Papudinho (piston) também.
DA: E além dos circos tinham os bailes naquela época?
AA: Naquele tempo, não tinha TV ainda, nada, era tudo ao vivo, não tinha playback, tinha que tocar mesmo nos reclame dos rádios que começava às onze horas, meio dia, e ia até 6 da tarde. Os artistas ficavam no fim pra segurar o público. Tinha muita gente famosa da época. Depois de [Clóvis] Eli tinha [Silvio] Mazzuca, Osmar Milani, várias orquestras. É que eu não estou lembrado. Peguei o gosto de tocar em orquestra. Tinha muita disputa entre maestros aqui em São Paulo.
Depois eu formei uma orquestra pequena. Estava muito difícil arrumar os trabalhos porque já estavam começando os playbacks. Era aquele disco de 78 rotações por minuto, que era dessa grossura... Então era complicado, eu não sei como eu fazia para gravar. Aqui no Sumaré tinha um estúdio, tinha um corredor que o pessoal usava, fechava as portas e faziam o estéreo assim, dava a sensação. O Simonetti gravou uns cinco ou seis LPs, logo que apareceu o LP. E esse estúdio fez também uns dois ou três playbacks para o Dick Farney. O Simonetti morou nos Estados Unidos, ele era ousado, e conseguiu um contrato lá, levou uma fita, fizeram a ficha, foi lá mostrou e o pessoal perguntava: “mas a orquestra é brasileira com músicos brasileiros que gravou isso daí” já não acreditando mesmo. Músico brasileiro lá fora quase não tinha e o pessoal não acreditava (…), tinha italiano, argentino, libanês, trombone era o Gagliardo, Bill(?), (?) e o Espanhol que tocava trombone baixo, e a seção de cordas. O estúdio mal cabia os músicos da banda e gravou esse som, sem eco, não tinha eco porque não existia eco. Uma curiosidade esse microfone no corredor.
G: E aí ele arrumou esse contrato lá fora?
AA: É, mas a Ordem dos Músicos de lá descobriu e proibiu a gente de fazer. Tinha que fazer com músicos de lá, orquestra de lá (…), sei que os músicos da época, a maioria já morreu mas acho que era só isso que eu tinha para falar (risos).
G: A banda do Simonetti surgiu em que época?
AA: Já tinha televisão e já tinha playback, e o LP, 58, 57 ainda tinha o 78 bolachão e já tava saindo de circulação. Eles queriam fazer um LP, então aconteceu um negócio que nem eu estava sabendo, o Miltinho (?) aquele lá do RJ estava com um arranjo que eu fiz.
G: De que música?
AA: (Cantarola) não lembro o nome não, era um samba canção. Eu tinha feito um baile em SP, e ia gravar às duas da tarde.
DA: Agente queria saber mais dessa época que você trabalhou nas editoras e nos programas de rádio, tenta lembrar algum programa. Tinha aquela história com a Hebe Camargo, o teatro Bandeirantes...
AA: Isso era outra coisa, ficava na Brigadeiro Luis Antonio.
DA: Tinha o Bolinha, a Buzina do Chacrinha...
AA: Voltando ao Simonetti, eu lembro que essa era a melhor, as outras eram boas, mas quando chegava ele não dava. Então os violinos já começam a ser uma novidade aqui nessas bandas. Um fato curioso, um dia a gente foi tocar em Ribeirão Preto e esquecemos o repertório aqui em SP, eu levava todos os arranjos dentro da sacola, chegamos lá tocamos um negócio lá e dissemos “bem o repertório não veio”. A sorte foi que o pessoal da RGE mandou uma pessoa de avião aqui pra SP pegar o repertório. O repertório foi chegar lá era 3 horas da manhã e o povo estava pensando que a orquestra era daquele jeito mesmo, todo mundo tava tocando de ouvido (risos).
G: E às 3 vocês começaram a tocar os arranjos?
AA: A gente já tinha começado, mas só de ouvido. Quando chegou o repertório, só por causa disso fizeram a gente tocar até 6 da manhã e foi um baile danado de bom. Depois disso o Simonetti colocou só um cara para cuidar do repertório “fica na sua mão não quero saber se está chovendo se não está, quero saber que se o baile é onze horas, dez e meia tem que estar o repertório em ordem”. Depois disso nunca mais faltou repertório. Mas essa orquestra era boa.
DA: Nessa época você já vinha apresentando a orquestra ao vivo.
AA: É tinha isso. E todo mundo conhecia os músicos. Chegava em uma cidade do interior (…) tinha gente com relação com os músicos (…) e era sempre 10, 20 pessoas atrás da orquestra, conquistava o ambiente, era uma orquestra de moral, tinha gente que quando via a orquestra ficava apavorado porque nunca tinha visto aquilo ali. Uma orquestra de jazz com cordas e tudo, os maestros aqui não queriam fazer porque ficava muito caro.
G: Foi praticamente o que a Jazz Sinfônica fez depois?
AA: É, o mesmo tipo de formação.
DA: Mas é mantido pelo governo, a Orquestra do Simonetti era particular.
AA: A Orquestra era da RGE, era a Orquestra que sempre gravava, os bailes eram outra coisa. O Simonetti queria manter a Orquestra (...), e aí ele não sabia administrar essas coisas. As orquestras estavam diminuindo e ele montou uma orquestra com o dobro de pessoas. Uma orquestra menor tem mais facilidade de vender. O Simonetti vendia a orquestra (…) porque o empresário tinha muita dificuldade pra vender. Mas tinha serviço para todo mundo, tinha serviço mesmo. As rádios tinham muitas orquestras, qualquer rádio. Qualquer coisa a orquestra estava preparda, ela preenchia qualquer buraco, propaganda.
G: E que emissora de rádio era?
AA: Piratininga, Bandeirantes, Excelsior, tinha muita orquestra. Tocava aqui até 11 horas depois tocava à noite, tinha dois turnos, tinha repertório pra tudo, era uma peça fundamental. Do Simonetti pra cá veio Agostinho dos Santos, a Elis, depois do Agostinho dos Santos, Clara Nunes, Beth Carvalho, Maysa, e vai indo, Juca Chaves.
G: E a Maria Creusa?
AA: Essa vem depois na época dos festivais, da bossa-nova. Porque quando o Simonetti foi embora acabou a orquestra, eles deixaram a orquestra na mão do Elton Jaime (?) e não sei porque o Jaime não conseguiu segurar a banda.
G: E para onde ele foi?
AA: Ele foi para Roma dirigir a orquestra da RAI. Eu tocava ainda na banda, mas depois eu parei porque não estava mais como antes, por incrível que pareça a pessoa dele tinha muita influência lá na frente. O Simonetti era um cara tão pra frente que se alguém o peitasse, ele fazia questão e dizia: “está certo, então você passa no escritório que agente vai acertar esse negócio”. E num segundo estava tudo certo. Não tinha conversa fiada. Ele falava: “às duas horas tem um apontamento”, às duas e um no máximo ele estava lá, era pontual mesmo, europeu. Já tinha outra visão completamente diferente. A gente sentia isso. Sentia que ele tinha força, cheio de interesse, coisas simples, brincadeiras de palco. O Espanhol era um cara muito rico a ajudava muito a gente, ele levava uma casaca e tinha um despertador no bolso, aí despertava no bolso, era uma bobagem, mas o povo gostava daquilo, uma brincadeira. Aí a gente começou a fazer, o outro faz aquilo... criava personagem, ele era assim cheio de graça.
G: E nessa época que o senhor tocava com o Simonetti qual foi o momento mais importante que o senhor lembra?
AA: Bem pra mim foi uma vez que ele fez aquelas piadas e tal, e nesse dia ele me fez vestir de cangaceiro, foi aí que nasceu o apelido. Depois da apresentação, o teatro estava lotado. Ele falou para eu ir lá na frente porque eu tinha feito o solo daquela música, e todos me aplaudiram de pé. Foi um momento muito importante da minha vida, aquilo pra mim foi tudo, o público agradecendo, eu não queria mais nada, aqueles três ou cinco minutos talvez tenham sido os minutos mais importantes da minha vida.
G: Depois do Simonetti o que aconteceu?
AA: Eu comecei a trabalhar arranjos direto com a gravadora RGE (…). Gravava muita música do pessoal de Goiás, tinha muita gente. De repente chegava um pior que outro, sem ritmo. No estúdio você escutava e tal e não dava mesmo, às vezes não sabiam que estava gravando, às vezes tinha que fazer tudo picotado. Tinha uns cantores do Rio também, mas a maioria era música caipira, não de São Paulo.
G: Nessa época você já estava nas Editoras?
AA: Trabalhei uns nove anos depois mais quatro, depois eu parei. Irmãos Vitale e tinha outras também (…). Da Vitale eu comecei a arranjar para as gravadoras e já tinha aquele sistema, tal hora, tal dia tantas horas. Trazia minhas músicas, passava na Ordem e eu escrevia conforme o gosto do cantor. Tinha música que era ruim mesmo e não tinha jeito. Então aquilo era o clima. Agora não tinha mesmo jeito, tinha muita gente tocando desafinado. É isso aí, o músico vai se aperfeiçoando. Mas tem muitos bons músicos também (…).
G: Década de 70 e 80 você ficou mais fazendo os programas de televisão mesmo?
AA: É. Eu fiz uma orquestra na TV Bandeirantes que tocava em vários programas.
G: E que programas eram esses?
AA: Não lembro mais não, sei que eram programas de criança. E tinha criança que era mais musical que adulto (risos) é verdade. Às vezes a criança já vem desenvolvida. Vinham as bandas de 1950 pra frente. A Rádio Tupi tinha duas orquestras, a Rádio Nacional tinha duas orquestras, tinha uma de manhã e outra a noite. Essa da noite era da pesada, o próprio maestro acompanhava os caras (…), depois começou a cair, foram aparecendo os playbacks, já não tinham mais programas de rádio (…).
G: Depois os programas de televisão passaram a não ser mais ao vivo, começaram a ser gravados?
AA: É. Só que no sistema. Naquela época, depois da bossa veio o sambão, (…) seção rítmica bem misturada, depois veio tanta coisa (risos). Aí eu conheci o Roberto Carlos.
G: Pra ele você escreveu também?
AA: Não, pra ele não. Só escrevi umas coisas nos Festivais, naquela época tinha muito programa da Jovem Guarda (…) gravamos várias coisas, “O Fino da Bossa” com a Elis.
G: Nesse o senhor arranjava ou tocava também?
AA: Participava tocando e às vezes eu fazia o arranjo, fazia os dois se necessário. Com o Jair Rodrigues também era assim. Foi muito difícil para ele na época, o artista tinha que tomar muito cuidado com a voz.
G: E a época que o senhor fazia no Terraço Itália foi quando?
AA: Foi em 65, quando eu vim do México, fui tocar num grupo fiquei seis meses e aí eu formei o grupo que eram dois sopros, eu e o Dorimar.
G: Nessa época era o Roberto Dantas?
AA: Não o Roberto foi depois ainda, ele já existia na noite, mas não tocava com nós, depois veio o Roberto. O Roberto era muito bom pianista, nunca vi tão bom, estudou mesmo tudo de base, de jazz, ele começou com nós porque nunca errava uma nota, infelizmente ele faleceu.
G: E como foi que o senhor parou de tocar lá no Terraço?
AA: A gente foi para ficar dois meses e ficamos quatro. Tinha ainda dois meses de contrato, depois o dono da casa (…) pediu pra gente mudar as músicas, mas também não deu certo (…), depois um músico sofreu um acidente, um caminhão passou em cima dele, aí não tinha jeito.
G: Mas vocês continuaram tocando?
AA: Aí nós paramos.
G: E foi nessa época que você ganhou aquelas baquetas do Art Blakey?
AA: Foi, foi nessa época sim.
G: Como que foi esse episódio?
AA: Sabe que nem sei direito, sei que foi parar na minha mão, que o cara estava lá. O francês também, aquele amigo, o Michel Legrand, que tocava no Terraço também. Como é o nome do outro? Não vou lembrar. Eu estava tocando “Corcovado”, depois ele foi falar com a gente, ele falava francês e português enrolado pra burro. A gente entendeu, ele queria ver as partituras de “Corcovado”. Eu peguei e dei o arranjo pra ele, ele não tinha música daquele tipo intimista.
G: E ele levou o arranjo pra tocar na banda dele?
AA: É, ele tinha uma orquestra de cordas parece, ele é conhecido, eu que não lembro o nome, era músico muito bom, todo mundo gostava, era som pra todo lado. O Burt Bacharach era bem rígido, ele estava procurando um cara que tocasse trombone direito e ele pegou o nosso trombonista que tocava tudo e ele não saiu do pé do cara, queria conversar, mas não dava, tinha três cantoras que também estavam lá, e um cara que tocava uns dez instrumentos, e tava puto da vida porque achava que o Bacharach não estava legal, aquelas músicas americanas bem rápidas. O sujeito tocava rápido e ele queria que o cara tocasse mais rápido ainda, mas oh velocidade rapaz... E o Bacharach aceitava tudo o que ele tocava (…). A orquestra do Bacharach é melhor ao vivo do que na gravação. É que nem ópera. Tem coisa que não dá, é aquela sensação que você está ouvindo como se fosse uma porção de vozes, é outro esquema mesmo.
G: E quando foi que o senhor montou a banda Reveillon?
AA: Essa foi a última. A Banda Reveillon começou com três sopros só, depois é que agente foi crescendo. Não tinha nada escrito, mas os músicos achavam ruim, eles queriam tudo escrito, então eu peguei e comecei a escrever os arranjos. Trouxe um arranjo da mesma música pro pessoal ver como era. E depois de tocar o cara da guitarra gritou: “é isso aí!” Não tem nada de dificuldade, mas é diferente. Aí começou, tocamos num aniversário na casa do Barão, o baixista, ele queria decorar tudo, mas era difícil, cada música difícil. Uma vez peguei o Osmar que tocava lá, eu peguei escrevi a bolinha e o nome em cima, o Osmar atacou e saiu tudo, ele lia só com o nome. Mas começou só com três, depois eu tive que fazer os arranjos para a banda grande, chegou a ter treze metais e mais a seção rítmica.
G: Essa é a formação que a gente está fazendo (me referi à banda Arruda Brasil da qual eu fazia parte).
AA: É essa formação nossa de agora trombone, trompete e três saxes. Fizemos a banda grande e estourou, só que comercialmente a banda era meio mijada porque tinha os empresários ganhando uma nota em cima e outros nada, os músicos mesmo não ganhavam nada. Eu sabia que estavam pagando X e o grupo recebia outro X, aí fui no escritório e falei tudo porque todo mundo tinha que ganhar no final os caras ficaram ricos. Nem sei quem ficou no lugar do Barão depois que ele morreu. Nessa banda eu escrevia e tocava, tinha que fazer os dois, muitas bandas que eu fiz o pessoal queria escrito mesmo, e tinha os editados para a Vitale, arranjo completo, sopros, cozinha, piano com a linha guia. Eu não sei daqui pra frente, agora acho que não vou fazer mais nada. Mas já fiz muita coisa por aí, não tenho mais muita condição. Eu ia pro interior trabalhar quatro, cinco meses e pesquisava pra fazer arranjo. Eu consegui entender a cifra, eu não entendia a cifra, eu consegui dominar e tinha muito maestro por aí que também não sabiam e os americanos já usavam. Quer dizer, os italianos também usavam mas era um pouco diferente. Eles escreviam o nome da nota mesmo (…), os americanos não, o negócio deles é banda. Quando eu estava no início da Record, eu pedia ao maestro para me explicar, mas ele nada. Depois de uns meses um dia eu descobri. Eu peguei uma partitura americana que tinha as notas e as cifras, e na época tinha muito jazz, era Gerry Mulligan barítono mas era difícil, foi ele que gravou com o Astor Piazzola, se não me engano foi o último trabalho dele mas ele já tinha idade.
G: E foi assim que o senhor descobriu o sistema das cifras?
AA: Foi. Entendi, e depois a gente vê como é fácil. [Chega sua esposa, Dona Maria Aparecida para acompanhar a entrevista]. De forma que eu aprendi as coisas mais assim, depois chega um ponto que tudo fica normal, mas no início era difícil porque a gente não sabe. A primeira coisa que a gente pensa é que não vai conseguir, não tem quem possa ensinar e depois fica fácil. Aí eu comecei a prestar atenção na música do Gerry, na seqüencia.
G: Da harmonia ou do solo?
AA: Da harmonia, normalmente eram quatro compassos. Outra coisa que eu queria saber, mas só tinha em livro, mas como é que eu vou fazer para arrumar esses livros? Era tudo americano! Aí eu descobri que tem muita música que era a mesma coisa. Mas isso depois de esquentar muito a cuca mesmo, depois eu aprendi as seqüências, mas a mão esquerda era sempre igual.
G: Era a mesma cadência em outro tom, é isso que você está falando?
AA: É. Em outro tom, nas seqüências de quatro, depois de muito tempo ouvindo, as músicas são feitas geralmente em 4, 8, 16, 32, 64 compassos, daí repete tudo. Isso pode ser em qualquer tom, mas quando eu chegava no quinto compasso eu não conseguia entender, podia ser menor ou maior. Depois eu descobri que o maior e o menor tocando junto dá certo (risos), mi maior com nona menor né?! Então eu comecei (…) a ver que uma música ruim podia ficar boa fazendo outro arranjo, mas em baixo está funcionando a harmonia normal, a base está tocando em dó, e os sopros estão tocando outras coisas. No caso do Roberto Dantas era por isso que estava sempre certo, ele sabia fazer isso (risos). Um outro pianista brasileiro inteligente chamava-se Igio Gomes (?) esse era completamente louco (…). Me mandou uma carta falando pra eu ir no hotel tal, dia tal, mas era lá na África do Sul. Acho que ele estava pensando que era como São Paulo e Campinas, como se fosse do lado. Ele dizia que os caras lá não sabiam tocar saxofone.
G: Ontem o Dario colocou uma fita de um arranjo seu com o Dantas fazendo o solo inteirinho blocado e dobrado em oitavas.
AA: Ele era demais. Meu cunhado então, adorava. Tinha um japonês que tinha uma voz igual ele, eles gritavam muito, faziam gozação (…) a gente até fez teste com outros pianistas na época, mas como o Roberto não tinha igual dificilmente ele errava, meu cunhado também, muito difícil ele errar.
G: Bem acho que era isso.
AA: Tá de bom tamanho?
G: O senhor falou coisas muito legais, inclusive a parte mais antiga sobre o Simonetti (...) muito obrigado pela entrevista, foi muito proveitoso, muito obrigado.
16.1.10
Dario Arruda e a batalha com as Big Bands em São Paulo
Depois de um longo período sem postar nada, venho publicizar esta entrevista realizada em 23 de agosto de 2002. Suspeito para falar, uma vez que conheço, sou amigo e trabalhei junto por vários anos, Dário Arruda de Souza é o nome deste grande músico. Filho do saxofonista e arranjador Antonio Arruda “Cangaceiro”, Dário atualmente vem levando a diante o legado de seu pai. Após longos anos numa árdua tarefa de recuperar e organizar o acervo de arranjos do Cangaceiro, Dário hoje lidera a Orquestra Urbana Arruda Brasil com grandes nomes da música instrumental. Mais informações nos endereços [http://arrudabrasil.blogspot.com/] [http://www.myspace.com/arrudabrasil].
Giovanni: Bem, de início quero dizer que com relação aos direitos autorais, essa entrevista eu vou usar única e exclusivamente para a pesquisa, não será vendida nem publicada sem que você fique sabendo...
Dário: Sobre esse negócio dos direitos... A minha relação com a Ordem dos Músicos e os direitos autorais foi sempre a mesma: a maior sacanagem para lesar o artista no espetáculo em que todos ganham menos o músico. Inclusive se você trabalha num restaurante e o restaurante for mal, o proprietário não vai mandar embora o faxineiro, nem vai mandar embora o vigia dos carros, vai mandar embora o músico, você não tem garantia nenhuma de investir em sua vida, e seu tempo nessa arte. A OMB não garante nem os direitos básicos. Hoje em 2002 o presidente da ordem dos músicos é o mesmo a 31 anos. Não existe presidente de empresa, chefe, cargo nenhum em que a pessoa fica 31 anos no mesmo posto e ninguem tira. Quanto à lei dos direitos autorais, ela é totalmente difícil de entender, porque o artista não aparece, aparecem várias pessoas que tem direito caso se faça tais procedimentos, então o cara não tem a liberdade de criar e viver disso, porque ele tem que conhecer os dispositivos que são difíceis e saber qual usar, num âmbito de sucesso, o cara ainda precisa ter a sorte de ser restituído do direito dele. Porque têm várias histórias verídicas de músicos brasileiros que nunca receberam.
G: Essas histórias são interessantes, eu quero mais pra frente retomar. Vamos tentar então dar uma ordem, uma sequência. Queria que você começasse falando um pouco da sua relação com a música, como você começou, como você conheceu a música, através da sua vivência em casa, com seu pai etc. e depois como você decidiu abraçar ela como profissão.
D: Bom, a música foi sempre presente, desde que eu me conheço, meu pai escutava e estudava, sempre aconteceu, você ali escutando, ouvindo o cara tocando ou ouvindo alguma refêrencia, que até então eu chamava de música, mas dependendo da pessoa é uma referência. É como você ouvir um Oliver Nelson. É totalmente diferente de você ouvir outra banda instrumental também, um Harry James, cada um tem uma sonoridade, aliás, não só sonoridade, a concepção tanto mecânica, harmônica, melódica, muda tudo. Sempre curtindo por aí, nunca tive interesse de verdade de tocar um instrumento…
G: E aí você acompanhava um pouco os ensaios que seu pai fazia em casa?
D: Não, meu pai tocava sozinho ou com o Dorimar ou com o Piraí em casa, quando eles estavam juntos, o resto era só na televisão, na gravadora…
G: Não tinha ensaio em casa?
D: Não tinha, tinha os caras estudando, meu pai, raramente o Dorimar, agora ensaio de fazer a música em casa eu não me lembro, só algumas poucas vezes que foi algum pianista que meu pai fazia um som meia dúzia de vezes na vida, mas geralmente ali…
G: Era mesmo o trabalho lá nos estúdios… e aí como que foi que você resolveu abraçar o saxofone?
D: Eu sempre gostei do sax tenor e até um pouco do barítono depois do tenor, mas eu achava ainda mais bonito o instrumento que o som, porque pra mim era muito louco ver aquelas chaves aqueles dedos se mexendo e acontecendo um monte de coisa legal, eu falava "caramba, como que é? É mágica?" Foi isso daí, totalmente inocente, eu não sabia o que era música, pra mim música era como andar de carrinho de rolemã, não teria dificuldade nenhuma, você vai montando um carrinho cada vez mais legal, indo numa ladeira maior e mandando bala, mas aí não, aí você está na parte da realidade, do consciente. No começo eu me iniciei no clarinete por brincadeira, por brincadeira assim, eu queria tocar, mas quando eu fui vendo que pra tocar eu teria que estudar pra caramba… mas mesmo assim dava pra fazer um som, o som eu tinha a manha de fazer no instrumento. Aí consegui assimilar algumas melodias fáceis, porque a música não é bonita só quando é difícil, tem música simples que é muito bonita, então tinha aquelas músicas mais simples, repertório variado...
G: Foi nessa época que você foi para o CLAM?
D: Não, não, toquei muito anos com o Jorginho e meu irmão (Pedro Arruda de Souza), eles me agüentavam...rsrs.
G: E quando você foi para o CLAM foi para estudar o quê?
D: Saxofone popular, mas eu não tive contato com o que eu queria, que era saber ler e ter técnica, embora o professor fosse excelente. O professor queria me falar mais de improvisação, de harmonia, passar pelos conceitos harmônicos que o Hamilton Godoy escreveu. É legal também. É importante, mas eu queria outra coisa naquele momento, e também eu vi uma coisa: eu era muito bom e eles queriam os resultados rápido, mas só que os tons das músicas não eram os tons originais, que eu já sabia ler e tocar um pouquinho os outros tons, lá não tinha acidente nenhum, de repente subia uma oitava acima ou abaixo, legal, dava pra tocar, mas não era bem isso. Isso daí é música para um estudante de música, para quem quer trabalhar com a música não adianta, é melhor estudar as tonalidades e fazer no tom certo. Qual a dificuldade? É a leitura, é um instrumento de leitura. Agora, quanto à música instrumental... eu sempre gostei mais de música instrumental e acho que também, por meu pai tocar um instrumento melódico, eu fiquei com a memória, o ouvido melódico, eu guardo as melodias, já a parte harmônica nem tanto, dá pra sentir, mas a parte da melodia é mais imediata. E também a música instrumental possibilita o músico de trabalhar os mecanismos, técnicas no instrumento que seriam impossíveis com uma voz, impossível, nunca, só se for um anjo, descer do céu, aí pode até ser, ou então é impossível. As possibilidades de intervalo, de extensão etc. Se você escutar vários músicos, inclusive o John Coltrane, que já usava muito isso... Como você vai fazer semicolcheia com a voz?
G: Você acha que essa idéia de extensão do corpo, o instrumento como extensão do corpo, o instrumento como aquilo que faz o que seu corpo ainda não pode fazer é muito forte na música instrumental?
D: Bicho, eu acredito, posso estar falando a maior besteira, mas que a voz ela foi um quebra galho para os preguiçosos que não queriam estudar música, embora o estudo do canto orfeônico é o mais difícil que existe, mas acredito que pelo número de cidadãos e pessoas que não gostam de estudar, então a música não precisa de estudar, chega aqui e canta (cantarola o rife de “New York, New York” consagrada na voz de Tony Bennet e Frank Sinatra); "ah, é outro tom?" (faz inclusive uma modulação mostrando a facilidade de se cantar sem um estudo aprofundado). "Tá tudo bem, você entendeu?" Agora vai lá, escreve isso daí, executa no instrumento. Acho que a música (vocal) foi uma comunicação imediata, mas foi uma espécie de quebra galho. Eu acho que o certo ainda continua com todos [os músicos], os cantores também, mas tem que ter muita ênfase no resto da orquestra não só na voz, que nem mesmo nas peças eruditas, ou é instrumental, ou é cantada, quando é cantada a atenção está totalmente para o cantor…
G: Você está se referindo ao foco?
D: Sim. De repente tem uma sequência de três, onze, quinze compassos no máximo que aconteceu alguma coisa com a orquestra, depois mais vários minutos com a voz, aí você pensa que ali está rolando o idioma. Então eu acho que a música instrumental perde por causa da ignorância. Nos Estados Unidos já é muito mais valorizada, o ensino da música é imediato, na introdução da língua americana…
G: Então você acha que o instrumento ajuda no aprendizado da música, ou seja, aprender música através de um instrumento?
D: Claro! Pra cantar você tem que cantar junto com um piano afinado. Se você quer mesmo estudar a voz, você tem que ter a referência ali, saber suas oitavas, tocar as oitavas junto com o piano, então automaticamente, se você for estudar a voz através da música, da realidade, aí o negócio é muito sério, aí seria quase a idéia de usar a voz como um instrumento. Agora, o que está rolando na mídia? Até acredito que a própria Sandy (do grupo Sandy & Júnior) não sabe muita coisa de música, quer dizer sabe muito pouco, sabe aquele pouquinho, quer dizer posso até me surpreender, mas eu acho que não, acho que ali são atributos artísticos e a ignorância, não só do público, em primeiro lugar do artista, porque se você tem um nome e já ganhou dinheiro por que você não vai gravar aquilo que é certo, não vai fazer um tributo a compositores brasileiros do século XX que estão aí todos apagados, por que não vai fazer um trabalho cultural? Sabe por quê? Por que não tem condição técnica para executar um trabalho desse nível com qualidade. Agora aquilo ali, ligou a luz colorida, faz a dança e tal, é legal, anima o povo, mas e a classe artística? Quem paga por isso aí? Sandy e Júnior custa dez vezes e pra você contratar um orquestra é inviável. Agora, os shows de sertanejo por esses valores é legal? Mas e as orquestras? Deveria ser 5 milhões e não 120 mil, se for pela quantidade de sabedoria que você vai pesar ali no palco, só a introdução, para os caras irem ali, é bem por aí mesmo... Você pode pegar vários brasileiros que não sabem nem escrever o nome direito, mas foram gênios da música, da parte da escrita, do idioma total, vários deles, e muitos não tinham professor. Quem eram os professores desses caras?
G: De quem você está falando?
D: De vários musicos brasileiros, Noel Rosa, qualquer um, quem foi o professor dos caras, quem ensinou os caras a tocar violão, a compor, quem ensinou a cantar? O cara que ouvia e colocava o cérebro pra funcionar: violão não dá... trombone eu estou me dando bem... e tiveram a sorte na vida de se encontrar. Tiveram vários “Oliver Nelsons” que passaram batido que não acertaram o instrumento. Todo mundo tem extensão pra tocar um intsrumento, mas tem que suar um pouco.
G: Você estava falando sobre as orquestras, queria que você falasse um pouco sobre isso, sobre as orquestras que você conhece que você teve contato e depois da orquestra que você montou junto com o seu pai a “Acarajá” e depois a “Arruda Brasil”.
D: Eu ouvia orquestras americanas em casa e assistia orquestras brasileiras na rua, os temas americanos pra mim já eram iguais, tocados pra frente. Na hora do solo, aquela coisa maravilhosa que só quem esteve vivo ali naquele instante viu. Eu acho que ainda hoje em dia existem algumas poucas orquestras que estão na miséria, mas estão indo pra frente. Das brasileiras, na maioria que eu vi, eram todas orquestras grandes também, formação big band, 22, 23 músicos, com 3, 4 cantores, 2 cantoras e 3 cantores. Era muito legal. Os caras faziam já todos esses sucessos que os músicos de 15 anos de idade que estudam estão tocando: All of Me, Stella by Starlight, Samba de uma nota só. Eram as bandas da boate “O Beco”, por exemplo, bandas que tocavam em casas dançantes, tinham várias e ainda continuam, tem o “Avenida Clube”, o “Clube Homes” sexta, sábado e domingo. Vários dias da semana tem o baile com orquestra, na Av. Brigadeiro Luiz Antonio tem o “Cartola”, sempre tem, mais lá em baixo na Angélica também tem outro lugar que é gafieira, que sempre tem banda, às vezes tem duas numa mesma noite, e isso continua só que está muito…. sei lá. São bandas que existem a 25, 30 anos no Brasil e estão aí, a própria “Tabajara” tem mais de 40 anos e toca em todos esses lugares. Tem as festas dos clubes também, então tem as festas que já são tradicionais, no Brasil todo, São Paulo inteiro, grande São Paulo, interior, no Rio de Janeiro. Então quando você está com um trabalho artístico, se ele não abranger o território brasileiro é dificílimo. Vários músicos, o próprio Léo Gandelman, quando tentou fazer um grupo instrumental nos anos 90, pra fazer esse serviço dançante no Rio de Janeiro, não conseguiu nem manter os músicos pra ensaiar, eu li isso num encarte da revista Weril. Então o negócio é mais difícil! E os músicos sempre reclamando da parte dos cantores, porque cantor além de se achar importante, tem vários que são fracos, no contexto do peso da banda, no nível dos músicos da banda. Você pegar um cantor ou uma cantora que chegue lá e você pode até levar uma partitura pra pessoa cantar com a orquestra, com a letrinha em baixo, isso daí é muito raro no Brasil. E é o mínimo exigido pra você sentar ali no naipe, fazer parte de uma seção rítmica ou sentar ali no naipe. Porque lá você não pode sentar só pra ler o arranjo, tem muitas outras coisas, você vai tentar afinar, pronunciar, ter dinâmica, então a parte da leitura tem que estar bem. E isso é o mais difícil pra fazer. E aí eu parti pra orquestra instrumental. Tive a sorte de tocar na ULM e lá conhecer o Dico (Oduvaldo Las Casas – trombonista), o Dico me levou lá pra Sinfônica de Itanhaém, onde eu consegui levar o Cecé (Cesar Pinez – pianista) e o Jader (Jader Abs – baterista e percussionista). O Roberto (Roberto Sporleder – saxofonista e flautista) também chegou depois de mim, um mês depois, pra fazer sax alto. Aí de lá eu conheci o Bola, mas nunca tive tanto contato. Sempre que eu ia tocar o Bola já ficava lá de longe. Aí um dia, quando o Bola viu meu instrumento, ele falou “Porra meu que instrumento é esse, puta som, posso experimentar?” “Pode”. Na hora ele tocou naquela boquilha, naquele instrumento e perguntou como eu tinha conseguido. Foi assim que contei que era do meu pai, do “Cangaceiro” Arruda. E ele falou “meu pai e seu pai eram muito amigos, vamos montar uma banda! Você não tem uns arranjos do seu pai? Os do meu pai tenho poucos e é difícil, não dá pra tocar”
D: Adolar que faleceu, era o primeiro tenor da orquestra da “Record” onde já estava o Piraí, o Paioletti, e aí meu pai entrou no lugar do Adolar. O Adolar morreu às duas da tarde e às cinco já tinha show, os caras já falaram: “Vamos chamar o Arruda que já tá tudo certo” e aí meu pai entrou nessa. O Adolar tocava tenor e muito bem, meu pai falou que ele deu uns toques pra ele nos arranjos, o cara escrevia arranjo pra caramba, mas era tudo quebrado, cabeça gorda, você mesmo viu o Chega de Saudade que o Bola levou no Acarajá, não dava nem pra tocar, o negócio era samba-choro todo sincopado e nos naipes tinham divisões diferentes. Os tenores diferentes dos altos e dos barítonos. Tinha umas coisas bem difíceis. O negócio estava complicado, também ele escrevia diferente e difícil. E vai ser difícil ter músicos pra tocar aquilo, embora pareça que está surgindo uma nova safra no Brasil de músicos instrumentistas. Hoje em dia a projeção de uma banda instrumental é muito maior que uma banda dançante, uma banda de entretenimento. Ela tem certos amparos, porém continua a panela, a dificuldade, a máfia. Têm muito parente e muito amigo. O artista que vive do negócio não tem tanto acesso, pela própria esfera de conhecimento, de contato. Tem também esses caras que são os formadores de opinião que tão fudendo a mídia colocando só bosta há 40 anos e gravando também outras coisas... A gente fundou a Big Band nascendo da Sinfônica de Itanhaém que você foi convidado, o Guto (Guto Brambila) contrabaixo, o Clóvis já ficou na bateria que também já era da sinfônica, já tinham os trombones e trompetes, convidamos o Andrei, o Guto convidou o Guilherme Afif, o Bola já estava, praticamente a banda já estava ali. Mas eu ainda não tinha dado uma lapidada nos arranjos, então a gente tinha muitos arranjos da Berkley, do Sadao Watanabe, Sammy Nestico, arranjos bons, mas outra concepção, diferente de um arranjo feito por brasileiros.
G: Aquele “Blues Plus Four”?
D: É, esse daí é do Sammy Nestico, e mesmo o “Maiden Voyage”, “Stolen Moments”, eu gostava do “Tributo a Stan Kenton” (cantarola a introdução) era muito legal, “New Life”, a música até convencia, a gente não tinha onde tocar, não tinha nada, mas quem ouvisse a gente tocar gostava, a gente tinha essa relação com o público, como músico, como artista com sensibilidade, a gente nunca passou vergonha com a orquestra “Acarajá”, as poucas vezes que tocamos, a banda convencia porque tinha o peso, o pique. É acústico né!! Não era eletrônico incomodando o tímpano e o cérebro do ser humano. O negócio vinha na natureza, então já é outra timbragem, além da qualidade dos músicos e dos arranjos, mas é inviável, hoje em dia eu vejo que é uma loucura montar uma big band. Só se você tiver dinheiro, por que o negócio é quase impossível. Tá muito difícil, o negócio quase morreu, e pra você entrar no setor de gafieiras, primeiro que você tem que ter vozes também, você não vai poder fazer um setor de gafieras sem vozes porque não é tradicional, a banda pode até fazer algumas seleções num baile de três entradas de uma hora, então em cada seleção cinco a dez minutos de instrumental da big band depois é tudo cantado. É isso daí que eu sempre via, tudo cantado com o melhor. Desde “Sapato Velho”, o melhor que você tiver da música brasileira e a orquestra quebrando. A gente continua com a “Arruda Brasil” aos trancos e barrancos, é muito difícil. O grupo é composto por dez figuras. Todos vivem da música, porém é dificílimo conseguir agenda em que nós dez com um espetáculo escrito, equilibrado, arregimentado por maestro de carreira seja conquistado num preço mínimo. Então a batalha é essa. Agora, quem vê ao vivo realmente gosta. Eu sinto isso. Se fosse um produto que eu me envergonhasse eu não faria, mas eu vejo que a projeção existe entre os seres humanos, porém a direção do que está sendo valorizado é muito fraca, a cabeça do pessoal é muito ruim. Eu continuo estudando saxofone um pouco melhor do que antes e adquirindo o hábito de tocar coisas diferentes toda semana, se possível todo dia. Fazendo cópia de arranjo, montando pasta de big band, mesmo acreditando que seja difícil, mas eu acho que não tem alternativa. Porque se você for trabalhar numa empresa, se você está fazendo remédio que vai salvar a vida do ser humano já é a maior sem vergonhice porque já estão usando produto de segunda, estão lesando funcionário, estão fazendo um monte de coisas absurdas, deixando de informar o cliente etc. No banco então... nem se fala. Estão ganhando tudo em cima da miséria do pobre. É o lucro do rico, se você tiver num órgão federal, público, aí você virou sem vergonha de vez porque você tá fazendo parte de um cabide. Se você pegar a própria USP metade dos cargos de professores não exerce a função do jeito que deveria exercer. Eles estão com empresa, com escritório, estão usando equipamento da USP. Se você for no órgão do governo tem a propina, se o policial te parar na rua também, então está tudo errado. Se você não for seu próprio médico, ou próprio músico, qual que é a sua relação com o ser humano nessa vida? Não existe mais outra relação, a não ser grana, status, projeção. Agora se você está ali fazendo o bem, querendo agradar a pessoa, amar, salvando, consertando uma artéria, acertando um braço…
G: Para você a experiência da música ao vivo é algo essencial?
D: É essencial tanto a música, como em todas as esferas da arte, na poesia, na dança, no filme, no teatro, tudo. Só que tudo isso se tornou banal. Existe o bom escritor de livro? Existe, mas só que o cara consegue vender 50 mil unidades, não 11 milhões de cópias como o Paulo Coelho. Os caras acham que o Paulo Coelho é o melhor. Ele é o melhor pra quem quer achar que ele é o melhor, porque tem vários na praça, só que ele teve uma ênfase, ou a sorte, ou tem contato, ou é coisa do governo. Então tem muita coisa, o Brasil é muito rico, miserável é a população. O Brasil tem ouro pra caramba, petróleo, comida, tem dinheiro, imposto pra caramba, que é cobrado e que é desviado. Era pra isso daqui ser como Canadá! Sem ter inveja da gente, que era pra genta estar todo mundo na praia trabalhando três dias por semana, seis horas por dia, se nada fosse roubado. Só que é o diabo!! As coisas ruins! E isso se projeta na área profissional, e na área familiar. A área artística então... é totalmente esquecida. Aquilo ali hoje em dia é o maior patrimônio, é o serviço do cara. Se você pegar um trompista, o cara que toca trompa, o cara não tem onde exercer seu serviço. Ou ele vai tocar na Sinfônica do Estado, ou na Orquestra Jazz Sinfônica. Porque não tem espaço. Se eu sou mecânico, por exemplo, tem 17 mil oficinas em São Paulo pra trabalhar. Se eu sou advogado, tem 15 mil escritórios. Mas não. Eu sou trompista. Eu tenho serviço na Filarmônica de Berlin ou de Brasília. O negócio é quase impossível, é inviável e se o cara entrar aí ele se arrumou. Se não, não. Então é muito difícil. Enquanto depender da ignorância, enquanto existir ignorância você não vai projetar a música instrumental, erudita popular, com estilo próprio. A realidade é essa, nunca vai ter conserto. Você vai correr atrás por amor, porque você gosta e acredita, e pode ser que Deus seja misericordioso e te esbarre com a sorte e você esteja pronto. Agora se você for entrar por status, um estilo, uma grana... É isso daí só o que eu tenho pra falar.
G: E você continua fazendo o trabalho de arquivo e copista?
D: Continuo. Partituras são documentos. Eu já toquei em algumas bandas que faltava um terço das partituras. Quando a pessoa toca sempre na banda ela faz de ouvido a voz de alguém. Muitos arranjos bons se perderam, que não foram copiados duas vezes, guardados (os originais) em plástico selado para amarelar menos, corrigidos porque sempre tem acerto etc. Quando você está trabalhando com uma pessoa absoluta, um cara que escreve, copia, e faz um arranjo da altura de cada músico que está sentado atrás da partitura, com o bom gosto dele e o conhecimento da técnica: o negócio fica muito sublime, parece que fica fácil. Então você tem que ter um pouco mais de cuidado, mas toda obra de todo artista deveria ser arquivada porque sempre tem alguma coisa de influência.
G: Influência você diz do quê?
D: A maneira de o arranjador escrever uma celula musical, um intervalo musical seguido de cinco, de três, de onze, ali sempre tem uma coisa que fica bonita então você tem sempre que ter a cabeça esperta. Dizem que o próprio Charlie Parker só ouvia música country né? Você sabe? Ele quando ia escutar música, tipo assim num bar, tinha lá os clássicos Stan Kenton, ele ia lá e ouvia música country e falava: escuta a letra, a letra é bonita!
G: E ele gravou música brasileira, tem uma gravação dele de “Tico-tico no Fubá”.
D: Tem, tem. Agora no dia em que eu fui lá naquela escola de inglês com a Pâmela que tava tocando o [Winton] Marsalis…
G: No workshop?
D: Isso no workshop na “Alumni”. Aí chegamos lá entramos, a gente estava com crachá, aí ficamos perto do homem. Sujeito muito gente boa. O pessoal perguntou a relação dele com o choro, com a música brasileira, ele não conseguia entender o que era choro. O pessoal traduzindo, falando em inglês, três, quatro, cinco, daí eu gritei: Pixinguinha! Aí ele: ah, já escutei Pixinguinha. Com o nome do autor ele entendeu, e falou: muito bom, demorei vinte anos pra aprender a tocar o jazz direito, tocando de pequeno, família de músico, indo na escola, com professores bons, tocando em banda boa, demorei vinte anos pra poder tocar jazz, direito, entender como é que é o jazz, agora eu quero pegar vinte anos pra aprender a tocar música brasileira, outro estilo.
G: Ah ele falou isso?
D: Outro estilo, você não tava lá?
G: Tava junto com você, mas eu não lembrava, é super interessante um cara com cabeça aberta e muito disciplinado.
D: Então, esses aí são os exemplos. Na música brasileira tem o Hermeto Pascoal. Tem o Sergio Mendes também, que eles já tinham um grupo chamado “Brasil 68”, ou “Brasil 62”. Um grupo instrumental só de música brasileira.
G: E esse pessoal das bandas de hoje, “Mantiqueira”, “Soundscape”, o pessoal da “Núcleo Contemporâneo” e outras bandas e produtoras?
D: O Teco [Cardoso] é excelente. A “Banda Soundscape” é um dos maiores valores históricos da arte na minha opinião. Porque se você for na “Jazz Sinfônica” há muita sem vergonhice nas contratações, não são os melhores músicos e o salário é baixo. O John Neschling conseguiu acertar a Sinfônica do Estado e a orquestra é excelente. Eu não manjo nada de erudito, mas as duas, três oportunidades que eu fui ver, a preços populares (R$ 12) na Sala São Paulo, achei excelente. Excelente o nível dos músicos. O maestro é muito bom também. Eu não manjo muito de regente, de maestro, mas já tive o prazer de assistir uns dois, três ensaios, umas duas ou três apresentações. A orquestra é totalmente obediente a ele, é muito legal. Agora já na “Soundscape” você tem músicos jovens que fazem vários arranjos lá também. Então realmente mesclou a perfeição, com a raiz da arte, com a realidade dos artistas, que são os melhores músicos que existem na noite. Se você pegar agora também na nova estrutura da banda do Proveta, a “Mantiqueira”, tem novos músicos, 70, 80 por cento dos músicos trocaram, o Jericó continua no trompete, um senhor já, o Proveta, mas mudou, eu tava vendo agora em Campos do Jordão os caras passaram na televisão, os caras estão tocando mais lento, mais piano, foi uma apresentação diferente, dentro de um teatro, filmado por televisão, não era dentro de um bar. Se bem que o espetáculo tem que ser o mesmo salvo que na televisão se você tocar as músicas mais lentas um pouco mais pra trás com suingue, melhora, e as mais rápidas um fio de cabelo pra frente também soa mais legal por causa do impacto. Tem isso daí, porque a experiência de um músico tocar numa praça aberta, num estúdio, num programa ao vivo à primeira vista sem errar, é muito, não dá nem pra ficar falando do excesso de qualidade que você tem que ter.
G: Pra exercer esse tipo de trabalho…
D: Tem uma formação de orquestra com cordas, outra que é um trio, outra que é um quinteto, ali tem uma big band, mas lá tinha tango, ali foi bolero, cha-cha-cha, lá é jazz, aqui é improviso, teve o blues, teve instrumental, teve a cantada …
G: Diferença de gêneros e formações né…
D: Você tem que ser extremamente dedicado pra você poder segurar o trampo, com aquela qualidade regular, oito Porque os que atingem dez ainda é uma percentagem muito pequena, um em dez mil naquele instrumento. Se você pegar em São Paulo existem dez tenoristas bons no máximo, bons mesmo, na cidade de 10 milhões de habitantes, 1 milhão conhece música, dez por cento, dez mil tocam saxofone, tem só um mesmo que é o legal, você pode pegar lá, o Vitor (Alcântara) é execelente, o (Vinícius) Dorin é excelente, o (Hector) Costita é excelente, o (Roberto) Sion é o máximo, o Teco, o Proveta, o Cacá (Malaquias), o Carlos Alberto, você vai pegando os caras, mas o povo, o cidadão, o indivíduo elege um pra ele...
G: E muitas vezes é o mesmo nível.
D: E dentro dessa cúpula dos saxofonistas, dos músicos, da banda, de tudo, eles elegem um, aquele fica venerado, o todo venerado. Você vê a moral que o Antonio Arruda tem tocando ou escrevendo, aquele não tinha coisa errada. Você vai pegar o Sion, conduzindo estudantes, escrevendo arranjo, tocando profissionalmente em várias orquestras, fazendo solo... vai falar o quê dele: esse cara é pai, esse daí tá fazendo de tudo e por tudo. Daí o espetáculo do sertanejo vale dez, quinze vezes mais, uma banda instrumental pra você vender a 3 mil, 5 mil reais, que o cara estudou 10, 20 anos para estar ali mostrando o espetáculo, você não consegue, é muito difícil. Se você pegar o Sergio Mendes tocando “Chega de Saudade” em 1958 e pegar agora em 98, o cara tem 40 anos em cima, 44 anos de estudo daquilo ali, com outra concepção, com tempo de vida, com um monte de situações que ele passou na vida para poder chegar ali. Aí não... ah, mas é em dólar! Você ganhava 200 dólares o cachê! Até diminuiu para os músicos que não conseguiram a projeção da mídia.
G: Por falar em experiências, agora retomando um pouco, o que você achou de tocar no Conservatório Villa Lobos com o Branco (maestro José Roberto)?
D: Falando do ponto de vista político, eu achei que foi uma maldade enorme com os artistas porque eles quiseram montar uma orquestra big band numa escola de música que não tinha os alunos que compunham a orquestra. No entanto, como tinha um maestro de uma pequena projeção no meio dos arranjadores, isso falando dos arranjadores bons que tem no Brasil e que estão aí, e pela pessoa dele que era muito legal, hoje em dia não sei, espero que seja, uniu os músicos, pela própria carência de não se ter espaço pra se tocar numa big band. Porém Osasco tinha condições de pagar dois salários mínimos, dá uma cesta básica, roubaram mais de 30, 32 milhões de precatórios!! O cara que era presidente da FITO!! O cara não deu um piano de 25, 50 mil reais pra escola. Eu trabalhei dois anos de graça, vivo da música, sendo que lá as pessoas estavam sendo pagas. Se tirassem o salário daquelas pessoas eu queria ver quem teria o valor, com a música, de ir lá e fazer de graça. Então acho que aquilo ali é a grande rocha que continua empurrando o Brasil pra baixo, eu não participo nunca mais na minha vida de uma projeção dessas pra ir tocar pra político que está roubando milhões do povo e o artista continuar sendo lesado porque querem pagar um diretor, um maestro, querem pagar dois, três professores que dão aula e os outros 10, 12, 15 vão de graça e são artistas, são músicos, são cidadãos, são seres humanos!! Eu mesmo, várias vezes não tive condição de ir, ia e voltava de carro com você de carona porque não dava pra pegar um ônibus, e não era só eu, vi outros nessa situação. E ia lá e tentava tocar o meu melhor, eu ainda montava a orquestra, vieram me arranjar o serviço de montador, você lembra? E eu não quis.
G: Eu lembro…
D: Eu não quero isso daí, não é que eu quero ser maestro, mas eu não quero ser montador, porque a partir do momento que começarem a pagar, se eu não for vão começar a me encher o saco, até vi que nessa parada o Branco quis me adiantar um lado, eu ganharia uma grana, só que eu não queria fazer isso daí, eu não estou lá para fazer isso, os caras estão ganhando milhões, eu estou lá pra tocar. Põe um professor pra me ensinar, sabe, o tributo tinha que ser diferente. Eu tive a experiência de ver arranjos bons, mas com dificuldades enormes que profissionalmente não dá pra o músico tocar à primeira vista ou à segunda vista. Então o contexto de uma banda de estudantes, ele tem que ter uma pedagogia e uma didática mais leve, e não pegar arranjos de uma banda de músicos bons (…) e colocar para estudantes. (…) Há níveis, você teve a experiência do Fred [Tangary] que toca pra caramba, mas na big band ele ficava atrás de você, gostando e curtindo porque ele estava começando a perder a ignorância com aquilo, é um cara bem intencionado com a música, toca a vida inteira, desde moleque, mas demorou 20 anos para enxegar aquilo. Então têm essas estratégia, os governos que estão tendo condições de montar bandas aqui nos arredores de São Paulo, Jandira, Barueri. O Beto Caldas (maestro) parece que está com uma também no interior, eu tô sabendo, mas não há projeção na capital, é corpo a corpo, mas estão fazendo alguma coisa (…). Se ninguem exigir total espetáculo, não adianta, não é só a Ordem dos Músicos que está pisando na bola, é a classe artística como um todo.
G: E o que você acha dessa luta do Lobão e o pessoal que está com ele?
D: Em relação aos direitos autorais, que a maior luta deles é essa né, nunca gostei muito do som do Lobão, mas sempre gostei da mentalidade dele, embora eu saiba que ele é um músico que toca Bossa Nova e toca Jazz também (…). E agora, depois de mil experiências (…) sabe que só tem ladrão, descarados, os gigolôs. São gigolôs, só que como gigolô é meio pesado, você fala empresário! É legal a luta dele, dele e do Sion para acabar com a Ordem (dos Músicos). O Roberto Sion mesmo é um cara que podia ter saído do país para viver de música, mas ele teve a humildade de ficar aí e ajudar a música. O que eu já conheci dele é extremamente sério e bem intencionado.
G: Então pra você falta espaço, não só postos de trabalho, mas espaço pra aparecer e alcançar esse monte de gente que não tem acesso?
D: Falta o endereço, falta o artista bem intencionado (…), ele é um operário da música, ele está lá para entreter com a alma dele, então ele é um artista, que deve estar acompanhado também dessa situação da vida. Então o cara não tem oportunidade de trabalho, não tem um grupo de amigos do mesmo nível, porque no Brasil, tirando a OSESP, a Experimental, não tem um nível mínimo. E mesmo lá que o nível é alto, tem aqueles que precisam correr pra manter o posto, então é muito difícil isso daí, tudo é difícil, mas eu acho que se ensinasse na escola as crianças, daqui a 50, 70 anos seria diferente.
G: Educação Musical na escola?
D: É, e não ser um curso caro e particular, isso seria ajudar na educação, mas não para ganhar 10, mas 50 pra ter uma sala de 30 alunos.
G: Falamos bastante da relação entre as instituições, mas o que você acha da relação com os músicos e com as bandas. Tem uma carência de postos de trabalho, então através dessa carência, você acha que isso acirra os ânimos na disputa por lugares para tocar?
D: Isso existe, é como um cartel, uma máfia, hoje em dia não, o cara quer uma banda para tocar, ele vai na internet fazer um levantamento, então há está pequena melhora, agora onde já tem uma tradição é difícil você furar, pra não dizer impossível.
G: E nos demais lugares fora desse circuito, nos bares etc…
D: O bar parte do princípio que o cliente tem que pagar a música, isso já é um erro, o cara não pode cobrar um covert, ele cobra uma entrada e ele arca com a despesa da música, mas isso é o maior “chaveco” que muito bico da música utiliza. Então isso atrapalha o serviço de quem realmente vive da música. (…) De repente você olha para os seus colegas: aquele virou engenheiro, aquele outro advogado. Os caras tem direito a se projetar, daqui a 5 anos eu vou comprar minha casa, meu caro etc. Na música não dá para raciocinar desse jeito.
G: Você acha que esse é um dos motivos que fazem as pessaos desistirem da música?
D: É. Não tem piso salarial. Dentro do que é cobrado de direitos autorais, o governo devia fazer um exame nacional, habilitar quem vive da arte, e eles pagarem o mínimo, da mesma forma que eles pagam funcionários públicos que não trabalham. O governo tem a obrigação de bancar a arte e a cultura, esse seria o único jeito (…). A música não é nem tratada, raramente você abre um jornal e vê um assunto de música sendo bem tratado (…). A música popular alegra o povo, mas porque a orquestra não vai alegrar também? Quem que vai pensar com a música? Que o músico precisa ter um instrumento bom? Ele quer ter um reconhecimento como instrumentista, tocar numa banda instrumental, não apenas acompanhar cantores, onde vai haver pouca brecha para solo, ele vai fazer base e acompanhamento e é uma história repetitiva que está aí (…).
G: Pra terminar eu queria que você falasse do que você tá vendo de Música Instrumental hoje em dia, você acha que tá crescendo, tá diminuindo, tá piorando, o que você acha?
D: Acho que está melhorando, mas ainda tem muita coisa pra ser feita. Tem muito picareta no meio. A OMB e o Sindicato precisam melhorar. Tem muita banda boa por aí que tem condições de apresentar bons espetáculos, só precisa de mais espaço.
G: Darião, muito obrigado pela entrevista e sorte no percurso. A estrada é longa, mas vale a pena ser percorrida!
D: Eu que já larguei tudo pra viver da música, não tenho dúvidas sobre isso.
G: Valeu!!