"(...) Formalmente, as narrativas existem no tempo, e as imagens, no espaço.
(...) Quando lemos imagens -- de qualquer tipo, sejam pintadas, esculpidas, fotografadas, edificadas ou encenadas --, atribuímos a elas o caráter temporal da narrativa.
(...) Nenhuma narrativa suscitada por uma imagem é definitiva ou exclusiva, e as medidas para aferir a sua justeza variam segundo as mesmas circunstâncias que dão origem à própria narrativa"
(Mangel, Alberto. Reading Pictures: a history of love and hate).
Como todas as práticas culturais, além da dimensão ligada ao contexto, a música possui a dimensão relacionada com o espaço. Quando se pensa a relação entre as práticas musicais e a paisagem urbana é preciso tomar os agentes como os responsáveis pela dinâmica da cidade, é preciso partir dos “atores sociais” como os agentes dos arranjos e padrões (cf. Magnani, 2002). Nesse sentido, observar a música na paisagem urbana significa descobrir onde se encontram e quais são os equipamentos urbanos utilizados, quais são os bairros de maior ocorrência, quais gêneros são tocados e em que tipo de equipamentos, quais as regularidades e recorrências entre os mesmos e diferentes tipos de equipamentos.
Ao nos determos nas lógicas seguidas pelos agentes (principalmente donos de estabelecimentos, produtores musicais, músicos e freqüentadores), percebem-se certas regularidades na maneira como utilizam a cidade. Outro tipo de regularidade refere-se à distribuição temporal dos estilos e gêneros musicais nos estabelecimentos. Essas programações acabam criando a possibilidade de construção dos deslocamentos tanto de músicos quanto de público, através de uma seqüência temporal e espacial de opções na qual se observam regras de compatibilidade.
A utilização de Sistemas de Informações Geográficas (SIG) suscita novas formas de olhar para o objeto de estudo a partir da dimensão espacial, inserindo diferentes variáveis e, conseqüentemente, extraindo informações até então implícitas no conjunto dos dados. O armazenamento de dados em estrutura de Banco de Dados Geográfico permite a realização de consultas por atributos, consultas espaciais, agrupamento de dados, bem como análises espaciais.
O armazenamento em banco de dados e a análise espacial dos dados obtidos durante o trabalho de campo realizado em 2003 consideraram 777 registros de apresentações de música instrumental em São Paulo. As casas de shows consideradas foram plotadas no mapa utilizando a ferramenta de Geocodificação de Endereços, disponível no Terra View , tendo como dado-fonte a malha de ruas da cidade de São Paulo . A associação dos eventos musicais aos pontos geocodificados e a análise espacial dos dados no software “TerraView” forneceu às análises, interessantes nuances do comportamento espacial da MPIB na cidade de São Paulo.
O trabalho utilizou análise espacial de padrões pontuais (Bailey, 1995; Anselin, 1995; Câmara 2000), onde os pontos geocodificados correspondem a estabelecimentos onde ocorreu pelo menos uma apresentação musical. Este tipo de análise permite extrair matematicamente padrões espaciais nos pontos distribuídos sobre o mapa. Tais padrões podem (ou não) indicar a influência do espaço no fenômeno estudado. Esta influência pode ser expressa através da formação de clusters, ou seja, regiões onde há maior concentração de equipamentos urbanos e eventos. Padrões de distribuição aleatórios ou regulares também podem ser encontrados.
Figura 1 – Distribuição espacial dos equipamentos urbanos onde se executa música instrumental na cidade de São Paulo. Os dados foram coletados no período de janeiro de 2003 a janeiro de 2004. Foram catalogados ao todo 87 equipamentos urbanos que foram locais de alguma apresentação do total de 319 conjuntos/artistas de música instrumental no período citado.
Quando observamos os locais de ocorrência da música instrumental constatamos padrões de distribuição peculiares. Em algumas regiões constatam-se clusters de equipamentos, como é o caso da Vila Madalena, em outras regiões observamos equipamentos relativamente “isolados”, como o caso do “All of Jazz” (Itaim) ou do “Novotel Center Norte” (Carandiru). Em outras regiões não há uma contigüidade espacial, ou seja, os equipamentos urbanos que oferecem música instrumental encontram-se aleatoriamente espalhados pela cidade e o padrão de distribuição espacial está relacionado mais com a utilização e menos com sua localização espacial.
Tal abordagem proporciona uma visão mais ampla que possibilita buscar ordenamentos no uso da cidade e dos equipamentos. Como mostra a Figura IV.1, os estabelecimentos se encontram em locais diferentes, no entanto o que os caracteriza é o exercício de determinada atividade: a MPIB. Os dados referentes à Figura IV.1 foram coletados na imprensa, no entanto, tal atividade é oferecida e divulgada à população de uma maneira bastante informal, ou seja, as apresentações de música instrumental são realizadas em grande parte sem uma divulgação mais ampla na imprensa.
A divulgação relativamente deficiente das apresentações acarreta certos problemas para uma pesquisa que pretende “mapear” a MPIB em São Paulo. É por isso que esse mapa apresenta distorções com relação à realidade. Isso se deve à fonte de obtenção de dados e às limitações da pesquisa. Primeiro, porque os dados foram coletados a partir de informes, sites, revistas e jornais que por um lado são fontes legítimas, pois é através delas que o público acessa a informação, mas por outro estão sempre sujeitas a equívocos, mudanças e até mesmo erros. Além dos erros, muitos grupos não fazem divulgação num jornal, e muitas vezes não fazem nem folhetos ou cartazes. E segundo, porque a pesquisa foi realizada sem uma equipe de apoio que pudesse checar as informações. Devido a isso, foram escolhidos para o trabalho de campo, determinados estabelecimentos a partir de critérios apontados pelos próprios músicos ou que estivessem inseridos em ciclos de apresentações que tematizavam a música instrumental.
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