25.4.09

Zé da Velha e Silvério Pontes: chorando no Dinorah

Cheguei cedo, estava marcado para as 21 conforme o informe que recebi de Lili Guimarãez pelo e-mail. O local era o Bar Dinorah, Rua Fidalga, 429, Vila Madalena, dia 12/02/2003. Quando cheguei se apresentava o trio que iria acompanhar a dupla, era uma espécie de passagem de som, onde os músicos estavam experimentando notas graves e agudas para testar a qualidade do som. Tocavam basicamente choro, um repertório interessante na medida em que se distanciava dos “standarts” do choro. Pandeiro, violão de sete cordas e cavaquinho. Fiz um contato mínimo com o rapaz que toca pandeiro. Depois da passagem de som ele veio pegar a água. Descobri que ele era o Netinho, pandeirista do “Nós no Choro”, um conjunto do Rio de Janeiro que se apresentara em Conservatória.

O “Dinorah” é uma casa relativamente pequena, sem grandes estruturas, o estabelecimento é constituído por uma parte principal onde se localiza o palco, com aproximadamente 12 mesas, um espaço que não cabe muito mais de 80 pessoas. Do lado de fora dessa parte central também tem mesas, porém sem visão do palco. A aparelhagem e o palco também são pequenos. O palco tem aproximadamente 5x3m a uma altura de 30 cm do chão. A aparelhagem consiste em uma pequena mesa com poucos canais (6?) um PA e duas caixas de boa qualidade colocadas nas laterais superiores do palco direcionadas para o público. Atrás do palco uma janela que dá para a fachada do bar, possibilitando aos transeuntes observar o que se passa no interior do estabelecimento.

Esperei mais de uma hora para se iniciar a apresentação principal, eram 21: 38 quando se iniciou um movimento, Zé e Silvério estavam do lado de fora conversando com umas pessoas que depois fiquei sabendo que eram convidados/amigos seus do Rio de Janeiro. Uma moça pandeirista tirava fotos com os dois, eles se abraçaram afetuosamente. Os dois são muito simpáticos, lidam e tratam com todas as pessoas com muita educação.


-- [Silvério] É sempre um prazer tocar em São Paulo, ontem fizemos um show em Santo André, amanhã em Campinas e depois em São Carlos. Eu queria agradecer a presença de todos, tocar nesse bar bem aconchegante o Dinorah, e vamo lá né, pouco papo e muita música. Vamos começar com Jacó do Bandolim "Bole Bole".

O trio começa fazendo uma introdução em que se revesavem quatro acordes, depois de mais de 25 compassos entram os dois com um dó grave com duração de quatro compassos, depois de 12 compassos (2/4) se inicia realmente a melodia principal, Silvério fazendo a voz principal e Zé construindo o contraponto no grave com seu trombone. O som tem um estilo muito interessante baseado em fraseado da "gafieira", mesmo os sambas e choros e maxixes ficam com uma "levada" meio gafieira, ou seja, sempre uma construção em que revezam a melodia princiopal o trompete de Silverio e o Trombone de Zé da Velha. Quando um está fazendo a principal o outro está "costurando" uma melodia alternativa que completa o sentido melódico e harmônico da música, esse contraponto é bastante apoiado na função do violão (de sete cordas), ou seja, "baixaria".

Segunda música: Silvério agradece a presença de seus amigos do Rio e anuncia a próxima música de um compositor paulista que era também tropetista: Bonfiglio de Oliveira "O Bom Filho à Casa Torna". Um corta-jaca com uma introdução do violão de 7 que Silvério fez com o Flueglhorn interpretando a melodia principal e Zé fazendo uma 
"baixaria" junto com o violão. Uma música bem "complicada" segundo o termo utilizado por Silvério. Fazem improvisos, iniciando pelo Zé, depois Cavaquinho Alessandro e na vez do Pandeiro ele desdobra a velocidade acelerando novamente até uma velocidade bem acima da que se iniciou o Bonfiglio, e Silvério toca então a melodia da marchinha de carnaval "Varre Varre Vassourinha" apenas como uma citacão retornando em seguida para "O Bom Filho à Casa Torna" e finalizando a Música. Silverio apresenta a banda: Charles no violão de 7, Alessandro no cavaquinho e Netinho no pandeiro:

- [Silvério] "Essa é a juventude no choro, 20, 21 e 22, aliás, meu chapinha faz amanhã 23 (se referindo a Alessandro), daqui a pouco vamos tocar um parabens para ele, e o nosso mestre Zé da Velha Trombone.

- [Zé da Velha] Muito obrigado meus amigos, é um prazer está aqui nessa cidade maravilhosa tocando pra vocês e esperamos vir outras vezes, e no Trompete Silverio Pontes.


- [Silvério] "Vamos tocar uma música de um compositor de "Banda de Música" do Rio de Janeiro que nasceu em Paquetá, o grande mestre de Banda de Música e compositor de choro, que nasceu no século retrasado: Anacleto de Medeiros. Em homenagem a todos aqui que não bebem "O Boêmio" (risos).

Todas as músicas tocadas carregam uma referência ao passado, certa nostalgia, um tempo que "não volta mais", mas é possível entrar em contato com esse mundo tocando as músicas da época. Da parte do público, é impressionante que muita gente conhece as músicas e cantam junto com o trombone de Zé da Velha. Nas apresentações de choro essa referência é comum, no caso da “Banda de Música” e da “Gafiera” ambas são manifestações que estão cada vez mais difíceis de encontrar, o que torna esse sentimento de nostalgia e saudade ainda mais forte.

- [Silvério] É sempre importante essa coisa de valorizar a “Banda de Música”, porque eu acho que o Brasil, os músicos de sopro do Brasil inteiro e do mundo inteiro todos passaram pela banda de música, eu acho que 
toda cidade que se considera uma cidade tem que ter uma banda de música. Bom, eu a minha formação é de banda de música a do Zé da Velha e eu sempre procuro tocar alguma coisa lembrando as bandas de música me dá muita, muita saudade. Vamos tocar agora o mestre Pixinguinha, o qual Zé da Velha já tocou junto e teve o prazer de conhecer, o Pixinguinha. E o apelido do Zé da Velha é Zé da Velha porque tocava com a velha-guarda de Pixinguinha. Então lembrando os velhos tempos “Ainda me Recordo”, Pixinguinha.

O público sorri ao ouvir Zé e Silverio. O contraponto muitas vezes é “hilário” observa-se o público sorrindo – não se sabe se estão rindo da música (que tem um senso de humor incrível segundo as palavras de um ouvinte) ou se estão rindo da habilidade dos músicos de tocarem com desembaraço aquelas músicas tão “complicadas”.

- [Silvério] É sempre complicado tocar no trompete e no trombone, vamos tocar agora uma mais complicada “Cheguei” de Pinguinha também.

Sem mais delongas inicia-se mais uma música. O clima da gafieira acaba tornando as coisas mais interessantes tanto para quem ouve quanto para quem toca, a impressão para quem ouve é que se está em outra época, talvez na “época de ouro” como é intitulado antigo grupo de Jacob do Bandolim.

- [Silvério] Zé da Velha vai tocar um choro, vai oferecer um choro para todos.

Inicia-se assim “Pedacinhos do Céu” no formato “clássico do choro” revezando os dois instrumentos solistas (trombone e trompete) nas melodias principais e contracantos. “A” duas vezes, a primeira com o trombone e a segunda com o trompete, “B” repete a
mesma fórmula, primeiro trombone e segundo o trompete, sendo que sempre um faz a melodia principal o outro faz o contracanto (junto com as baixarias do violão de 7 cordas). Volta ao “A” repete-se mais uma vez a fórmula.

- [Silvério] Zé da Velha sempre gosta de tocar “Pedacinhos do Céu” um choro bem conhecido, e bem interessante, do grande mestre Waldir Azevedo. O Alessandro Rosa vai tocar um choro do Waldir Azevedo também com o nome de “Carioquinha”.

Inicia-se com o pandeiro puxando o ritmo, ouve-se a contagem, a introdução e entra o cavaquinho na melodia principal tanto na parte “A” quanto “B” e os dois sopros fazendo os “apoios” junto com a melodia e as notas da harmonia e da baixaria.

- [Silvério] Alessandro Cardoso no cavaquinho; Netinho, pandeiro; Charles, o mais novo sete cordas do Brasil, o Charles tá tocando o sete cordas tem uma semana, cê imagina como ele estará tocando daqui a um ano. Craque né, parabéns pro Charles.

- [Charles] Vou ter que pagar a conta hoje.

- [Silvério] Mais um choro, este choro nós gravamos eu e o Zé da Velha, junto com Yamandú Costa no último CD do Yamandú, nós fizemos um arranjo assim um pouco metido a besta, mas ficou legal, um CD bem legal do Yamandú e ele nos convidou para fazer está faixa, o nome do choro é “Machucando”.

Começa lentamente com o trompete fazendo de anacruse e ad libido a primeira parte e entra em seguida um maxixe com trombone trompete revezando melodias em uníssono com contracantos.

- [Silvério] Nós vamos fazer dois sets, um set um pouco mais curto porque resolvemos fazer uma paradinha aqui daqui a pouco pra tomar uma cervejinha depois agente volta pra fazer o outro set, é até bom pra dá uma respirada. O Alessandro vai fazer mais um choro do grande mestre Jacob do Bandolin “Noites Cariocas”.

Introdução livre de 12 compassos e entra a mesma fórmula utilizada em “Carioquinha” (o cavaco fazendo a melodia principal e os dois sopros fazendo o apoio que oscila entre notas da baixaria, da harmonia, e da própria melodia. Na segunda parte faz o trompete sozinho a primeira vez e a segunda, o trombone. Solo do Violão de 7 cordas sobre harmonia da primeira parte (2x) e em seguida entra o cavaco novamente na parte “B” fazendo a melodia principal e convenção com o pandeiro solando e em seguida retorna a parte “A” com o cavaco e os dois sopros fazendo o apoio.

- [Silvério] Cavaquinho: Alessandro. Nós vamos tocar mais duas e vamos dá um paradinha prá dá uma respirada e tomar uma “Original”, porque o único lugar que tem Original é São Paulo, mas aqui não tem. Vamos fazer dois sambas, um samba do Pixinguinha “Gavião Calçudo” e o outro “Pelo Telefone” do grande mestre Donga.

Mais uma vez inicia-se. Os dois sopros fazendo em uníssono “A” e “B”, volta para o “A” em uníssino e “B” com trombone, e “Pelo Telefone” variando entre o uníssono e contracantos e ao final um acelerando até o breque ensaiado e confirmado com os olhares e o sinal com a vara do trombone.

- [Silvério] Zé da Velha nosso mestre, Netinho, Alessandro e Charles. Tomaremos um descanso.

Intervalo. Os dois se sentam na mesma mesa, junto com os amigos vindos do Rio para 
assistir a apresentação, Zé toma cerveja e Silvério toma conhaque. O intervalo é de aproximadamente 25 minutos. Inicia-se novamente com mais um choro (?) revezando trmbone fazendo a primeira de cada parte e o trompete fazendo a segunda. Solo de 7 cordas, cavaquinho, (parte “A”) volta trombone 1a e trompete 2a na “B”. Frase final repetida 4x e volta ao “A” em uníssono até o final.

- [Silvério] Eu queria lembrar que nós temos o nosso cedezinho depois quem quiser adquirir, temos o segundo e o terceiro, vamos ficar devendo o primeiro porque a gravadora vendeu tanto disco que não tem (risos). Então quem quiser adquirir o segundo e o terceiro é só procurar nossa produtora que é a Carina e com direito a autógrafo do Zé da Velha e de todos nós ok? Vamos tocar um samba, aliás, um samba do Zé Brasil (?) que há tempo que não toca na rádio, é um samba maravilhoso, aliás, música boa tá difícil de tocar na rádio. Depois eu e o Zé da Velha vamos tocar um hip-hop pra vocês também, (risos) Zé da Velha e eu vamos mudar o visual ano que vem, vamos botar um cabelo punk, eu já to furando, já comecei furando a orelha, o brinco, o Alessandro também tá tudo certo, ano que vem vocês vão ver um visual totalmente diferente. O Zé vai um piercing nos lábios pra tocar trombone. Vamos começar “à capela” “Aos pés da cruz”.

Inicia-se somente os dois sopros, com o trompete fazendo a melodia principal e o trombone acompanhando e na segunda vez fazem o contrário. Em seguida retomam o tema do início sempre revezando contracanto com uníssono. Ao entrar o ritmo utilizam a mesma fórmula seguida na introdução “à capela”.

- [Silvério] Nós vamos tocar uma música, atendendo um pedido de meu amigo Ronaldo, que nós gravamos em nosso último CD, que é uma música do grande mestre Cartola “Cordas de Aço”.

Nessa música tocam apenas o violão de 7 um dedilhado lento e bem harmonizado e o trompete fazendo a melodia com uma interpretação “com sentimento” com ele (Silvério) mesmo disse. A forma das músicas tocadas pela dupla (e pelo quinteto) são relativamente parecidas. Com uma alternância entre trompete e trombone na função de 
melodia princial e contracanto com a utilização de alguns solos de cavaquinho, violão de 7 e pandeiro. Pode-se dizer que a construção da música é dada pela própria forma, porém com adaptações para os instrumentos que estão sendo utilizados, sempre mantendo certa rigidez sobre as melodias principais e contando, sempre com o apoio de uma banda (trio) bem consolidada, um violão fazendo uma baixaria “pé de boi”, bem marcada, e solos revezados entre trombone, trompete, cavaquinho, violão de 7 e pandeiro, respectivamente.

Entre outras coisas que pude ouvir nessa noite de choro, me lembro bem do sorriso e descontração de todos, platéia e músicos, ao som “engraçado” do choro. Curiosa a contradição entre, de um lado, um gênero que tomou como nome algo que remete diretamente para a tristeza e, de outro, a paisagem sonora desse gênero que remete exatamente ao inverso, à alegria, ao sorriso, à brincadeira e à gozação. Talvez seja possível (ao mesmo tempo que arriscado) dizer que o choro é o gênero musical brasileiro onde se encontra de forma mais ampla o humor do brasileiro.

21.4.09

Arismar do Espírito Santo: uma cabeça de teflon!

Um dos maiores baixistas, bateristas, violonistas, compositor e arranjador: Arismar do Espírito Santo! Em 05/11/2003 Arismar deu um depoimento no I Congresso Brasileiro de Música Instrumental que se realizou no SESC Vila Mariana. 

Para além das desavenças que o congresso gerou entre músicos, as falas foram excepcionalmente ricas para entendermos um pouco do campo de produção desse gênero.

Entre os notáveis dessa mesa, Cláudio Celso ao lado de Arismar. Outros músicos acabaram não comparecendo por motivos alheios ao congresso. Entre debates e pocketshows, o público teve acesso a uma "vitrine de tensões". Neste depoimento Arismar anuncia sua trajetória e sua maneira veloz de pensar (e falar):

"Boa tarde, meu nome é Arismar, comecei a tocar em 74 como baterista, comecei a tocar com o Paulo Mamão na Baiúca, revezando com Moacir Peixoto, músico maravilhoso que deu uma subida, agora há pouco tempo subiu, Matias Matos, um movimento que existia na época de tocar o que hoje chamam de samba-bossa, era uma outra coisa, uma coisa séria assim de improviso e tocar as melodias e então eu comecei a cair nessa fria, com Zinho e com o Nenê Batera, até a gente estava conversando sobre isso daí outro dia, mudou a atitude dos bateristas, o batera harmônico, você toca, não tinha groove, não tinha nenhum nome assim, hoje em dia a música brasileira mudou muito, a bateria mudou muito, o som mudou muito por conta dessa coisa do músico lá, da idéia, (...) aí depois disso virei baixista, eu comecei a gostar de
contrabaixo, comecei a gostar de baixo acústico, o Renato Loyola me vendeu um baixo que ele tinha, aí uns 8 meses depois eu ataquei com o Luis Melo, que era assim o pianista mais punk de São Paulo era o Luis Melo, tocava muito, cada hora uma harmonia, a mão esquerda, até hoje ele não pára, e eu fiquei naquela loucura, essa usina me fez tocar, virar baixista, depois daí não parou mais, depois rolou, em oitenta e pouco, em 81 estourou um movimento instrumental em São Paulo, aí tinha o Pinicilina, tinha o Sanja, foram as primeiras vezes que eu vi o músico tocar música própria, não aquela coisa de cover, aquela cópia horrorosa, sabe aquela coisa louca, que era: você tem que ter um baixo daquela marca, tocar que nem não sei quem. Aí foi quando começou isso daí. Você também estava nessa onda né? Cláudio, Duda, milhões de músicos, Nico, Luis Melo, aí você chegava para tocar música sua, aquela coisa o músico começou a fazer, a mostrar a cara, mostrar música própria, ter coragem de fazer arranjo, ter coragem de dar o nome naquilo de arranjo, que às vezes o cara faz um rife depois fica com vergonha de dizer o que é (...) o músico começou a perder a vergonha aí, e começou a dar certo, aí não parou mais, hoje em dia a música brasileira é uma das músicas mais admiradas do planeta, você recebe e-mail da China de um cara querendo um baixo que nem o seu para tocar que nem você! É muito louco, você até estava ao contrário, você se mirava naquela coisa, parecia um monte de escoteiros, mas a idéia é tocar (...), daí eu não parei mais, tenho dois discos gravados, o primeiro pela Velas, dez anos depois eu lancei outro, a demora foi porque eu resolvi compor desse jeito, aí agora virei violonista, tenho gravado umas coisas de 7, está chovendo pro meu lado, (risos), estou estudando, sou vovô, tenho 3 filhos, [risos] (...) o Tiago está com 23, grande músico, esta tocando com todo mundo, e uma coisa que eu gosto muito de ver é que não tem preconceito, hoje toca com o Hermeto, amanhã com o Wando, depois de amanha com a Banda de Pífanos de Caruaru, aí compra um pandeiro, está tocando bateria, essa é uma geração bacana que está pintando e fazendo música, eles não tem preconceito, eles querem é tocar, chegar tocam 10, improvisam, são preparados, e é legal você ficar sacando que tem um pouco da teu dedo nesse bolo, faz bem saber que você está causando alguma coisa. Tem um grupo com a Silvia Góes, a Lea Freire, o Vinícius Dorin, o Cuca Teixeira, o Tiago e eu, a gente tem tocado com esse grupo, mais feliz impossível, faço música espontânea, na maioria das vezes eu procuro fazer isso, com esses músicos ou com outros músicos, tem um monte de músicos hoje em dia indo atrás dessa linguagem, e já deu 10 minutos? Não? Então, a história é essa, eu faço isso, e que mais? Estudo, eu acordo estudo, agora descolei um piano, estou tomando a maior surra, surra fantástica, o baixo, a bateria, o violão, não tem nada a ver com aquelas teclas ali, é outro assunto, aí você vai atrás de informação, que som de piano, como arma um repertório, bolar um, pra escrever arranjo é bacana, esta pintando uma coisa bacana assim, o resultado é rápido, fazem 2 meses que eu estou com o piano e já tenho duas músicas prontas, mais tem que ficar um monte, ontem eu fiquei umas 5 horas em cima, tem eu ficar até sair da cabeça isso é o baixo, aquele papo de terças, quartas, parece um calendário. Não! É música, tem que sair fora dessa coisa senão você não cria a música. (...) Eu estou estudando, aí
vem o músico por profissão, tem que tocar, tem que dar aula, tem que viajar, agora, tem que correr atrás, todo dia estudar para a cabeça ficar linda, a cabeça rola um teflon, tudo o que acontece de fora escorrega não pega, você fica tocando, minha vida está sendo essa. Então é isso, por ordem alfabética então, muito obrigado".

14.4.09

Sete Dias em Burkina de Carlinhos Antunes e Marcio Werneck

Carlinhos Antunes e o desafio de ser um músico independente

Carlinhos Antunes tocador de violão, viola, charango, cuatro, ngoni e percussões variadas, compositor, arranjador e intérprete. Músico versátil com uma bagagem muito grande, viajante e experimentalista de culturas musicais diversas. Já atuou no Marrocos, Peru, Nicarágua, Holanda, Cuba, França, Inglaterra, Grécia, Itália, 
Espanha, Turquia e Croácia, além de suas passagens por países africanos. Recentemente lançou um filme “Sete Dias em Burkina” e vem se apresentando com a Orquestra Mundana. 

Músico experiente, historiador pela PUC de São Paulo, já atuou com grandes nomes da música entre eles Adoniran Barbosa, Jair Rodrigues, Badi Assad, Paul Winter, Grupo Ron Bengale da Romênia e muitos outros. Carlinhos também apresenta o programa Axis que vai ao ar pela rádio Brasil 2000 Fm onde veicula o melhor da música do mundo.

Antunes vem fazendo um trabalho de pesquisa de músicas de várias culturas mesclando tais influências com a música brasileira. Para uma pequena amostra do pensamento deste grande músico apresento um trecho de nossa entrevista concedida em 22/03/2003 em sua residência em Perdizes, São Paulo:

Eu: Carlinhos eu gostaria que você começasse falando sobre sua relação com o choro?
Carlinhos Antunes: A maior escola brasileira, a nossa escola mais forte, é a escola do choro que passa no violão, por exemplo, Garoto, João Pernambuco, depois Pixinguinha, que aí você tem piano, flauta, violão, percussão, violão 7 cordas, é uma escola brasileira, que era muito forte um tempo atrás, anos 40 e 50 e depois ficou um pouco esquecida com a bossa nova, depois ela deu uma sumida, e agora esta voltando. Eu recebi a revista Guitar Player, essa revista brasileira, tem lá, 20 ou 30 lições de choro para guitarristas, isso não existe, há um tempo isso não existia entendeu, choro para guitarristas, quer dizer, os caras estão descobrindo uma maneira, e no choro a estrutura é outra mesmo, no choro não tem a improvisação nesse sentido, tem muito mais uma improvisação sobre a melodia, você pode fazer uma variação na maneira de tocar a melodia, mesmo no Rio Janeiro, que eu acho que é mais desenvolvido em termos de choro do que São Paulo, ainda que seja um choro moderno, vamos chamar assim, com harmonias mais modernas, eles são fieis à estrutura ainda, e nesse sentido é bem diferente de um grupo que toca jazz brasileiro, o brazilian jazz como eles chamam. Agora o disco que acabou de sair do Cesar Camargo Mariano e Romero Lubambo, é do cassete, mas é uma reedição do Samambaia, é aquilo mesmo, é bonito, você vê os dois, um faz a melodia, às vezes dobra a melodia, mais melodia improvisação, primeira música, a segunda, melodia improvisação melodia. Muda só a ordem de quem faz o quê. Então você ouve o disco inteiro é lindo, é bem tocado e tal, mas o disco é meio retilíneo, eu tenho uma escola diferente, eu acho que música tem que ter primeira parte, segunda parte, dinâmica, uníssono, vozes, eu penso mais pela escola do violão, é diferente da escola do jazz, talvez pelo instrumento, a maneira de pensar é a música mesmo, a improvisação é um detalhe importante mas não é o máximo, você não vai no show para ver os solistas, a idéia é que você observe a peça como um todo, a música como um todo.
Eu: Mesmo assim tem improvisação. 
CA: Exatamente.
Eu: Uma coisa que eu achei legal no disco é que você passa por várias sonoridades, às vezes lembra a Espanha, às vezes lembra o Rio de Janeiro, às vezes lembra certos países da África.
CA: Se você ouvir o novo disco que eu fiz agora você vai entender isso melhor ainda, é exatamente isso, você ouve a primeira música e fala: isso é Brasil, a segunda já te leva pro Recife, a terceira te leva pra África, a quarta para o Oriente, a idéia é essa mas não é proposital no sentido de uma radiografia do mundo, a idéia é essa porque a minha cabeça é assim mesmo, cabeça de quem compõe …
Eu: São as suas influências.
CA: Eu tenho um programa de música do mundo também na rádio Brasil 2000, toda segunda feira à meia-noite, se você ouvir vai ver, então eu ouço muita coisa de fora do Brasil também, antes era terça e passou para segunda, é um programa diferente da rádio que tem uma linha mais voltada pro rock, e o programa é, depois eu te mostro...
Eu: Hoje em dia tem várias rádios com esse tipo de programa, a Rádio USP tem, a Cultura também tem.
CA: Tem, é a Magda que faz de sábado e domingo, da Cultura é quarta meia noite, e o meu segunda, são programas diferentes, pelo que eu ouço, esse da quarta feira é muito bonito também só que ele é mais didático mais introspectivo, a pessoa fala mais, o meu é mais musical, não tenho tanta preocupação em explicar tudo o que acontece, eu deixo o cara escutar a música, minha idéia é mais que as pessoas ouçam músicas diferentes, depois se eles quiserem ir atrás eles pesquisam.
Eu: E esse acervo é seu ou é da rádio?
CA: É meu, tudo meu, meu e de convidados, esta semana eu estou levando um amigo meu brasileiro que morou na África 4 anos, então os caras me procuram, eu procuro eles.
Eu: Toca ao vivo também?
CA: Às vezes toca, já veio um grupo da Romênia, uma italiana, normalmente eu toco ao vivo quem não é daqui, ou seja, quem é mais difícil de vir aqui, mas o programa é legal.
Eu: O que você toca no programa é o mundial sem restrições, ou aqueles desconhecidos, com edições.
CA: Não, eu toco coisas do mundo mas também do Brasil, a minha idéia é mostrar por exemplo, agora eu vou fazer um programa dedicado à questão da guerra, também pode ser temático, como por exemplo, “ilhas do mundo” sons que vem de Ilhas, Cuba, Madagascar, Cabo Verde, ponho tudo junto e fica temático, ou então pianos do mundo, pego um americano, um cara do Mali tocando piano, ponho cantos, técnicas vocais, outro dia eu fiz um programa que eu comprei um disco lá na Espanha só de música dos países escandinavos. Eu escolho os discos que eu gosto, eu não tenho preocupação em ensinar coisas, não é um programa de world music, é um programa de músicas do mundo, é diferente (risos), world music é um rótulo e músicas do mundo não, pode entrar o Duo Assad ou a música dos Pigmeus isso é coisa do mundo. Esse rótulo é uma necessidade do mercado em classificar coisas que não são classificáveis, e isso acontece com o meu
disco, voltando ao assunto, meu disco não tem rótulo, é difícil você rotular o disco. É música instrumental? É. Mas é que tipo de música instrumental? Quando perguntam que tipo de música você faz, eu respondo: não sei. Ontem vieram perguntar pra mim se eu tinha influência do Sul do Brasil, eu tenho, toquei no grupo Tarancón muitos anos, que na época era um grupo famoso de música latino americana, música andina, mas e daí? Se você escuta o Tarancón e o meu som são coisas completamente diferentes, mas tem influência.
Eu: Mas não dá para classificar num gênero?
CA: Não dá, e esse disco novo então…
Eu: Essa coisa do rótulo é engraçada, você falou do Brazilian Jazz, que é um dos rótulos utilizados lá fora…
CA: É muito difícil porque na verdade a sociedade toda é catalogada, todos nos somos catalogados, então de alguma forma, você precisa catalogar o mundo, então na hora de você compor, quem trabalha com música instrumental, você fala foda-se isso, isso não é o mais importante, o importante é o som. Quando você conversa com um cantor, por exemplo, o cara fala: você precisa ter uma linha. E aí pronto, chapa! Não dá pra você cantar um rótulo sem homogeneizar, parece que isso é importante para vender. Quando você faz um trabalho autoral, de composições próprias, a única coerência que tem é você, o compositor, ele é coerente porque é ele mesmo, você não fala: com essa cabeça eu faço isso, depois troca a cabeça e faz outra música. 
Eu: Quer dizer, não dá pra esconder o que você mesmo é.
CA: De jeito nenhum! 
Eu: E transparece bastante, um pouco pensando nessa sua coleção de 2000 discos, e o seu trabalho, que tem as mais variadas influências, faz muito mais sentido do que você pegar o disco na prateleira e falar: isso não se encaixa em nada.
CA: Agora esta acontecendo lá fora, já que você falou lá fora, lá que é importante, a música brasileira lá fora, esta começando a... a gente faz bastante shows fora do Brasil, com essa formação é interessante porque o cara está acostumado a ouvir samba e bossa nova como música do Brasil, e de repente ele começa a ter outra conotação com esse trabalho que eu estou fazendo, ele fala: puxa mas isso é música brasileira, que legal, também tem isso. Ou seja, você abre espaço maior, porque ou só tem samba e bossa nova ou só tem remix de bossa nova, que é o que mais se faz hoje. Hoje no Brasil, eu tenho várias coletâneas, é tudo remix, bem produzido, como é o caso da Bebel e Gilberto, mas é como se isso fosse a música brasileira de hoje, isso é música brasileira de exportação, ou seja, bossa nova com outra cara, coisa que não acontece no Brasil. Lá fora eles não conhecem a produção brasileira. Pega a Rosa Passos, que é uma bossa nova contemporânea, eles não ouvem do mesmo jeito, lá fora predomina a ignorância com a música brasileira. Agora se você vai e mostra sons diferentes, a bossa nova é um gênero, o Brasil tem trezentos mil, é só um gênero que ficou mais conhecido porque é uma música legal, mas também tem um negócio de mídia, foram os americanos que lançaram a bossa nova...
Eu: E você acha que o Midem ajuda a mostrar um pouco desse Brasil?
CA: Ajuda sim. O Midem foi legal nesse sentido, todas as gravadoras fizeram um resumo do que têm para levar um catálogo legal, eu acho que deu uma boa visão da música brasileira.
Eu: E mostra o interesse deles também pela Música Brasileira em tentar descobrir esses produtos que também interessam.
CA: É muito louco, a diferença entre o Brasil real e o Brasil virtual. O cara que vem aqui e liga o rádio, fica desesperado, ele só ouve merda o tempo todo, o Brasil tem muita coisa legal, mas não toca, é só vaquinha, a eguinha pocotó, é Kelly Key, é um negócio sério isso, eu estou em uma rádio eu sei, lá a programação é chata, é ruim, eles estão num beco sem saída.
Eu: Vamos retomar, eu gostaria que você falasse sobre o seu início, como começou, o que você tocava nesse início, com quem estudou etc.
CA: Eu comecei, bom primeiro deve ter um lance de família genético mesmo, mas foi na escola primária que eu acabei tocando bumbo na banda da escola, eu fazia a marcação e todo mundo falava: puxa vida como você faz direitinho, eu era pequeno, tinha 6 ou 7 anos de idade pegava aquele baita bumbão, e o pessoal falava que eu era filho de maestro, porque a musicalidade é uma coisa que você vem com ela e vai desenvolver, mas a musicalidade está lá, tem gente que tem mais e gente que tem menos, aí eu percebi que como todo mundo falava: ele é filho de maestro, então eu comecei a estudar violão com 8 anos de idade.
Eu: Seu pai era maestro?
CA: Não! Perguntavam na escola se eu era filho de maestro porque eu tinha facilidade com música.
Eu: Mas tem músicos na família?
CA: Tem, da parte da minha mãe tem muitos músicos de orquestra, a família da minha avó, por parte de mãe, é toda de músicos. Eram italianos, a parte italiana da família é tudo músico e aí eu estudei, fiz violão popular, um pouco de percussão, criava instrumentos, fazia garrafas afinadas com água, e com 17 anos eu fui estudar violão clássico com o Edelton Gloeden e também comecei a dar aula de violão popular na mesma escola que eu tinha aulas com ele, aí eu fiz a Fundação das Artes de São Caetano, na época era uma escola bem legal, era uma referência, ou você estudava na ECA e fazia música erudita, ou se você queria estudar música popular era na Fundação. Eu sempre estudei muito compondo, eu sou meio autodidata no violão porque eu acabei estudando através das minhas composições, dos meus estudos, eu não tenho uma escola rígida de violão, eu aprendi a fazer sozinho, eu nunca fiz aula de composição, arranjo, eu nunca fiz cursos dessas coisas.
Eu: Mas o erudito e o popular sempre caminharam juntos?
CA: É isso que eu estou dizendo, sempre juntos. No popular coisas que eram minhas referências eram Villa-Lobos, Egberto Gismonti, com certeza eu tenho tesão pela
fronteiras, pela mistura do popular com o erudito, embora eu tenha um pé no popular como Radamés Gnatalli, são coisas que eu ouço e gosto muito, são brasileiros com um pé na música erudita, mesmo quando eu trabalho com músicas do mundo eu tento ter essa preocupação. Nesse disco novo eu explorei mais isso, eu usei mais cordas, sopro fazendo função de cama.
Eu: E é você que escreve todos os arranjos?
CA: A maioria sim, de sopro eu escrevi alguns, mas a maioria foi o Marcelo Gomes que escreveu.
Eu: Autodidata?
CA: Pois é. Inclusive você percebe isso porque quando você vê os arranjos que eu faço eles são muito particulares, singulares, você pode gostar ou não, eu não fiz escola, eu vou pela harmonia, ficar pesquisando, acho isso uma coisa muito rica no Brasil, isso faz com que os arranjos fiquem com essa cara, explorando as dissonâncias.
Eu: Você está gravando um disco agora. Como você vê o cenário da indústria fonográfica em relação às independentes?
CA: Olha essa questão é complicada, tem duas coisas: ficou muito fácil fazer disco, agora a dificuldade é para se distribuir. Quando eu digo fácil é porque você pode fazer um disco caseiro, com um Pro Tools, um bom microfone, pronto. Agora o problema, mesmo que você faça um disco de qualidade, com bons músicos, masteriza, tudo certo, o problema começa aí, como é que você veicula isso, como é que você vai distribuir isso. Porque você tem as pequenas gravadoras independentes e tem as grandes gravadoras, a questão não é como distribuir mas como fazer esse disco tocar, você precisas fazer shows, que é difícil, na rádio é mais difícil ainda porque é tudo Jabá [propina que se paga para ter sua música veiculada pelo rádio], que dizer não é mais jabá, é um preço porque é um produto. Eu quero vender meu produto como faz, paga e vende. É institucional, isso ficou muito difícil para uma gravadora independente que não tem essa possibilidade e pro músico então pior ainda. No meu caso tem uma gravadora que está bancando meu disco, com um assessoria de imprenssa, distribuição, é pequeno, tudo muito artesanal, mas é melhor que estar sozinho, mas eu acho que a relação entre a grande gravadora, a pequena e o artista é a mesma que se dá entre a indústria, o supermercado e venda na esquina. A tendência da venda da esquina é fechar.
Eu: Mas agente vê ao mesmo tempo um movimento do pessoal se unindo para conseguir enfrentar isso.
CA: É isso aí. Dez armazéns juntos podem se juntar para peitar. Eu tenho medo disso, eu acho que pode ser legal, mas eles tomam como referência as grandes gravadoras, eu acho isso um erro, a gravadora independente deve pensar como gravadora independente, tem que atuar em outros mercados, não tem que ter a lógica da grande gravadora, tem que saber que é preciso investir mais no artista e não só nos discos, porque como se vende discos, fazendo com que o cara faça shows, a gravadora teria que ser uma produtora, uma manager do artista, mas o problema é que ninguém faz isso.
Eu: Quer dizer gerar além do produto CD, gerar também o produto “ao vivo”.
CA: Se uma indústria faz uma pasta de dente ela não vai colocar essa pasta em todo o Brasil? Então é a mesma coisa. Por exemplo, faço um show fora do Brasil, vendo bastante discos mas se eu tivesse apoio de uma gravadora eu faria muito mais coisa. O problema da pequena gravadora é que ela investe na hora da gravação, ou licencia o disco e depois esquece, é meio como se tivesse um restaurante com um cardápio bastante grande, mas não tivesse preocupação com a qualidade daquela comida (…).
Eu: Talvez um processo de amadurecimento, de aprender a lidar mais com o mercado.
CA: É, e também tem que depurar mais, a independente não pode pegar qualquer artista, eu acho, tem que ter critérios mesmo, tem que pensar como gente grande mesmo, em todos os sentidos, menos artista e mais qualidade, e mais preocupação com os artistas, se eu fosse montar uma gravadora eu faria isso, poucos artistas, com investimento em todo o processo, do início da gravação até os shows, aí sim. Mas é diferente, eu teria uma gravadora e uma produtora juntas, aí tem como avaliar se o artista é legal ou não.
Eu: E também você tem o controle de todo o processo.
CA: Exatamente, todo o processo. Imagina se tivesse um vendedor que tivesse todo o conhecimento do trabalho, que ouve, sabe opinar, na hora que ele vai vender o disco é muito melhor, ele sabe. A idéia é ousada, mas é uma forma, eu não vi ninguém fazer isso ainda.
Eu: Eu queria que você falasse de seu método de estudo?
CA: Tem fases, às vezes eu quero estudar 5, 6 horas por dia, ou músicas, escalas, exercício de dedo, arpejos eu gosto muito, talvez a coisa que eu mais estude seja arpejos, e tem fases que eu não gosto de estudar, às vezes eu fico 15 dias sem pegar no instrumento e tem fazes como agora que eu fiquei um ano estudando as minhas músicas que ia gravar, tocando estudando meu trabalho, eu gosto de desafio, eu estudo em função de uma coisa prática, por exemplo, agora tem uma proposta de fazer um disco só de viola, pode ser que entre no estúdio daqui um mês de novo, aí eu vou pegar a viola 5 horas por dia, aí você vai me ver tocando todas as possibilidades, daqui pra frente eu pretendo gravar um disco por ano e a minha maneira de estudar vai ser isso, com desafios, pegar um clássico, um Villa-Lobos, fazer uma transcrição de uma coisa
para a viola, e tem épocas que estudo só por estudar. Varia muito, eu não sei te dizer, eu não tenho essa disciplina. Outra coisa, tem épocas que você trabalha por empreitada, no final do ano eu estava trabalhando no meu disco mas peguei cinco arranjos para fazer, para entregar. Agora estou numa fase que estou tocando menos porque estou mixando o disco, tem que ouvir mais. Agora é impressionante quando você está tocando todo dia, ou em um evento, na noite, é impressionante como desenvolve o lado instrumentista, tem que estudar todo dia mesmo. Mas o que inviabiliza estudar todo dia é que eu faço a minha produção, sou eu que faço tudo, é muito duro. Por outro lado, encontrar gente, produtores que queiram trabalhar com música instrumental, é dificílimo, não tem ninguém porque não é lucro imediato e tem pouca gente preparada para isso. Uma coisa é vender cantor, outra coisa é vender música instrumental, tem que ter uma perseverança maior, essa é a maior dificuldade que agente tem com a música instrumental. Pode ver 80% não tem produtora, é o cara mesmo que tem que ir atrás e isso é muito chato e muito ruim porque enquanto você está fazendo isso você poderia estar compondo arranjando, estudando, mas faz parte, aprendi a lidar, antes eu tinha mais conflito com isso, agora aprendi a lidar. Isso é uma característica nova e interessante do músico contemporâneo, não dá pro sujeito só estudar, se ele quiser ter uma carreira, se lançar no mercado como solista, ele vai ter que se sujeitar, se ele quiser ser um solista, um band leader, ele vai ter que ter dois trabalhos, fazer projetos, se lançar, se ele só estudar, ele vai ser um bom músico, bom prestador de serviço, mas se ele quiser ser um bom músico e se lançar para uma carreira ele tem que ter essa dupla profissão. Tem que saber se vender.

7.4.09

"Hermeto Campeão": um filme de Thomas Farkas


Pouca gente conhece ou assistiu. O filme "Hermeto Campeão" dirigido e roterizado por Thomas Farkas em 1981 mostra o músico em situações bastante inusitadas: em casa ensaiando, tocando com os sapos ou abelhas e ... falando de sua relação com a música, os músicos e o mercado. Bastante interessante as colocações do músico e dos integrantes do conjunto. Aqui nesta postagem transcrevo algumas falas do Campeão a título de ilustração. É uma espécie de aula onde nos encontramos com a visão-de-mundo deste grande artista. Hermeto Pascoal é incontestavelmente um dos maiores músicos brasileiros. O filme evoca a inspiração, a maneira de compor e seus pontos de vista sobre a fama, o dinheiro e o trabalho.

“Eu com 15 anos de idade já saía pra ‘montura’ como a gente chama no norte, assim procurar, tinha assim atrás das casas o lixo, saía pra procurar ferro, pedaço de ferro, juntava aquilo pegava a sanfona e começava a bater nos ferros, soltava os ferros assim no cimento e de cada ferro eu tirava um som diferente, o som do próprio ferro, e aí eu passava para o instrumento, quer dizer isso aí é uma coisa que já vem desde a minha infância, uma coisa natural e porque uma coisa natural não quer dizer que é só campo e o mato não, natural eu acho que é aquilo que vem naturalmente, então eu faço isso, quer dizer eu posso estar aqui e de repente estar no meio da cidade lá no centro da cidade e também se for pensar outras coisas eu vou tirar som e aproveitar o som de outras coisas”.

“Nós mesmos já somos um instrumento transformado em vários instrumentos, (...) se eu tiro um som com a voz, com os lábios, com o nariz, com os olhos, com os cabelos, eu tiro um som com meu corpo todo, são vários instrumentos e a voz também é mais um instrumento”.

“Eu só sei como eu compus a música quando eu escuto, eu vou escrevendo da mesma maneira que eu posso fazer uma carta, então eu componho assim, eu vou compondo com o que vem na cabeça, eu vou escrevendo, tanto faz escrevendo ou tocando, então depois é que eu vou saber, eu fico curioso pra saber, ate parece que não fui eu que fiz a música, eu fico muito curioso”.

“A música como muita gente pensa é em termos teóricos, é a pauta, são as notas musicais escritas, mas a música verdadeira mesmo é a que você imagina e pensa (...) é quilo que você canta que você toca, essa é a verdadeira música porque colocar no papel é fácil, é só estudar e tudo bem, então isso é importante, então o dom musical já vem com a pessoa”.

Ficha de Informações do Filme
Título: Hermeto campeão
Duração: 35 min e 0 seg. 
Ano: 1981
Cidade: UF(s): SP País: Brasil
Gênero: Documentário
Subgênero: 
Cor: Colorido

Ficha Técnica
Direção:Thomas Farkas 
Roteiro: Thomaz Farkas
Produção Executiva: Thomaz Farkas
Direção Fotografia: Pedro Farkas
Fotografia de Cena: Não
Montagem/Edição: Junior Carone
Técnico de Som Direto: David Pennington
Sound Designer: Junior Carone

3.4.09

"Quebra Pedra" e a música instrumental nos interstícios da noite paulistana

Ola amig@s internautas e amantes da música instrumental brasileira. Para aqueles que gostam de receber notícias sobre bandas pouco conhecidas ou até mesmo desaparecidas, aqui vai uma postagem sobre o "Grupo Quebra Pedra". Talvez pouca gente conheça o conjunto. Pude acompanhar uma apresentação realizada no Café Piu Piu, famoso estabelecimento musical localizado na R. Treze de Maio, 134. Era uma terça feira, dia 04 de fevereiro de 2003...

Foi durante um curso de Acústica que eu conheci Gustavo Faleiros e Alexandre. No primeiro dia de aula em que todos os alunos se apresentaram fiquei sabendo que eles tocavam num grupo chamado “Quebra Pedra”. Imediatamente fui conversar com eles e explicar meu trabalho. Rapidamente nos entendemos, afinal nos encontrávamos toda semana durante um semestre. Eu estava de sobreaviso: quando tivesse uma apresentação eles me chamariam. Foi o que aconteceu, encontrei o Gustavo, por acaso numa dessas sessões de cinema de São Paulo e ele me convidou com mais de um mês de antecedência: dia 4 no Piu Piu.

A casa é localizada no Bixiga e é uma das últimas casas que apresenta música instrumental no Bixiga. Fazia muito tempo que eu não entrava naquele lugar, bastante coisa havia mudado mas o essencial permanecia: o palco.

Cheguei mais cedo, depois de uma chuva forte, a apresentação estava marcada para as 22:00 hs. O pessoal do grupo já estava lá esperando os convidados, entrei e fui comprimentando Gustavo e Alexandre. Fui muito bem recebido e fiquei conversando com o pessoal até começarem a chegar outros convidados. Nesse início falamos sobre problemas técnicos de instrumento (principalmente a guitarra) e a questão do público que, por ser uma terça feira, não chegava. 

O som só foi começar às 22:30 com um público de aproximadamente 50 pessoas. O “Quebra Pedra” é formado por Gustavo na Bateria, Alexandre na Guitarra, Douglas no contra baixo elétrico Fretless e Paulo nos sopros flauta, sax soprano e tenor. Um quarteto “clássico” de música instrumental brasileira. As categorias utilizadas nas conversas podem ser detectadas primeiro com os “rótulos” que são utilizados quando se está conversando: “música instrumental brasileira jazzística”. Nessa expressão se descobre o tipo de som e também a filiação, influência etc. O grupo tocou música brasileira e americana. 

Os autores são: Hermeto Pascoal, Milton Nascimento, Gilberto Gil, Ary Barroso, Moacyr Santos, e dos Norte americanos The Police, Jimy Hendrix e até uma melodia judaica tradicional. Além das música próprias da banda (ao todo 6 músicas) a maioria de autoria de Alexandre e duas de autoria de Paulo. No final da apresentação me disse Alexandre que ele acha importante tocar temas “standarts” porque o pessoal reconhece e pode apreciar melhor, já que as letras são conhecidas e as pessoas podem até cantar junto. 

A apresentação foi iniciada com uma música de Hermeto Pascoal do Calendário do Som chamada “Trinta de Setembro” e em seguida tocaram “Maniac Depression” de Hendrix. O fato de trazer certo ecletismo no repertório trás um conforto ao ouvinte não só porque ele reconhece coisas que já ouviu mas também porque proporciona uma forma de demonstrar ao público abertura para outros gêneros.

As músicas eram tocadas em sua maioria com a forma clássica jazzista: tema – improvisos – tema – fim, com as devidas ressalvas. As convenções e pontes (bridges) são também muito utilizadas para conformar o mapa da música. Este caráter formal visto dessa maneira pode parecer relativamente simples, no entanto guarda diversidades enormes já que cada música é um arranjo diferente. 

A performance de palco, postura etc, foi observada com ressalvas, já que algumas decissões eram tomadas ali mesmo na hora como se não houvessem discutido exatamente o que iriam fazer e tocar. Comentários surgem: “... mais parece um ensaio ao vivo”. 

Os arranjos e composições são todos escritos em partitura que eram sempre utilizadas e lidas durante a execução principalmente pelo Paulo e Douglas. Claro que não se utiliza a partitura o tempo todo, não se lê a partitura o tempo todo, a impressão é que a partitura é uma espécie de lembrete, uma forma de “não se perder”, “não esquecer”. Interessante notar que não se inicia uma música se a partitura não estiver aberta na estante, mesmo que não se utiliza a leitura o tempo todo. Douglas sofreu um com um ventilador que sempre fazia voar sua partitura, no entanto nem por isso ele parava de tocar, continuava tocando às vezes fazia inclusive leituras com a partitura no chão mesmo.

Nessa apresentação percebe-se a especificidade de grupos de música instrumental que estão em um estágio, digamos, inicial da trajetória. A presença do grupo no mercado da música instrumental não se faz marcante [na verdade nem sei realmente se o conjunto continua existindo e ensaiando]. Não obstante a feroz corrida pelo espaço no mercado de serviços da música “ao vivo” o conjunto “Quebra Pedra” se mostrou no âmbito da pesquisa não como um caso a parte, uma espécie de exceção, mas como um modus operandi bastante comum nos conjuntos de música instrumental em São Paulo. E a despeito das particularidades que esse tipo de conjunto apresenta podemos lembrar que a quantidade de palcos existentes em São Paulo frente a quantidade de conjuntos, mostra uma face “cruel” do mercado da música ao vivo: a carência de espaço. Muitos conjuntos que possuem repertórios ensaiados e engajados não encontram o devido lugar no mercado, e me parece que não se trata exclusivamente de uma questão de qualidade. Salve “Quebra Pedra”, onde quer que vocês estejam...